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Ilhas de calor afetam até cidades pequenas no estado de SP

Estudo inédito mostra diferença de temperatura entre áreas urbanizadas e não urbanizadas na região; veja ranking de municípios

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São Paulo

No mesmo instante, em um dia de verão, dois moradores da cidade de Sertãozinho, no interior de São Paulo, podem estar em ambientes com temperaturas de até 11ºC de diferença, dependendo de onde cada um estiver. O município é um dos recordistas do estado na intensidade das ilhas de calor, nome dado à diferença de temperatura entre áreas urbanizadas e não urbanizadas da periferia de uma mesma cidade.

Em uma lista de mais de 50 municípios, apenas a região metropolitana de São Paulo superou Sertãozinho, com uma diferença entre a área urbana e seus arredores que chega a 14ºC.

Os dados fazem parte de um estudo inédito do Instituto de Energia e Ambiente da USP, que avaliou a intensidade das ilhas de calor em 52 cidades do estado de SP.

Imagens aéreas feitas com drone da cidade de Aramina, no interior de SP; município de 5.000 habitantes apresenta ilhas de calor - Prefeitura Municipal de Aramina/Divulgação

O parâmetro usado foi a temperatura de superfície —de materiais, do solo ou da vegetação—, que é mais extrema do que a do ar, mas segue padrões semelhantes. O intervalo de tempo analisado foi de 2003 a 2023.

"Há escassez de informação sobre o tema. O que se encontra são alguns estudos localizados ou comparando metrópoles, por exemplo, utilizando a temperatura de estações meteorológicas. Mas não tínhamos conhecimento dessa variação da temperatura ao longo de todo o estado", afirma o professor Humberto Ribeiro da Rocha, professor titular do departamento de ciências atmosféricas do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP, orientador do estudo.

Uma das dificuldades de estudar o assunto, afirma ele, é a falta de dados padronizados, já que o Brasil tem poucas estações meteorológicas adequadas para esse tipo de pesquisa. A alternativa foi utilizar os registros do satélite Landsat 8, que são mais abrangentes e formam uma espécie de mapa da temperatura da superfície em uma área de aproximadamente 100 m.

Levando em conta o conjunto das 52 cidades, os resultados mostraram uma diferença média de temperatura entre áreas urbanizadas e não urbanizadas de 5ºC na estação úmida (de outubro a março) e de 2ºC na estação seca (de abril a setembro).

Uma das conclusões surpreendentes foi que mesmo cidades muito pequenas apresentaram ilhas de calor elevadas. Um exemplo é o município de Aramina, perto da divisa com Minas Gerais. Com cerca de 5.000 habitantes, é a oitava com maior ilha de calor na lista, com até 10ºC de diferença das áreas urbanizadas para os arredores durante a estação úmida.

"Muitas vezes, os esforços de adaptação climática são dedicados só às grandes metrópoles, mas cidades pequenas também sofrem com ilhas de calor, que podem ser tão quentes quanto as outras. Elas também precisam de planos e estratégias", diz Ana Nogueira Campelo, autora do estudo, apresentado em junho para a conclusão de seu mestrado em ciências ambientais na USP.

A pesquisadora também lembra que, no estado, quanto mais as cidades se afastam da costa, mais quentes são. "Com as mudanças climáticas, as cidades do interior terão grandes desafios para enfrentar. Nesse cenário, as ilhas de calor serão um problema a mais", afirma.

Próxima ao litoral, a capital paulista se beneficia de um microclima mais ameno, além de grandes áreas de conservação ambiental em seus arredores, como as serras do Mar e da Cantareira. No entanto, a área urbanizada é tão adensada e pavimentada que o contraste é enorme. Não à toa, a região metropolitana de São Paulo foi a que apresentou a maior ilha de calor, com uma média de 10ºC na estação úmida e de 5ºC na estação seca.

Agropecuária

A pesquisa também analisou como a temperatura de superfície varia de acordo com o uso que se faz do solo e da presença de biomassa verde. Previsivelmente, áreas urbanizadas foram as mais quentes de todas, ao menos na estação úmida, seguidas pelas lavouras de cana-de-açúcar, soja e pasto. Áreas com florestas e corpos d’água foram as mais frescas.

Já na estação seca, a média da temperatura de superfície das plantações supera a das áreas urbanizadas. "Isso ocorre por causa da queda da biomassa verde nos períodos de entressafra, pousio ou colheita. Quanto maior a biomassa verde, menor a temperatura. Com o solo desnudo, o aquecimento é maior", explica Campelo.

Rocha, da USP, acrescenta que as ilhas de calor, quando analisadas na temperatura do ar propriamente dita, se manifestam com mais intensidade durante a noite. "Materiais como alvenaria, concreto e asfalto absorvem mais calor durante o dia do que a vegetação, e o armazenam, e daí vão perdendo esse calor muito lentamente durante a noite, o que deixa a cidade mais quente. Nos fenômenos de onda de calor, as residências muito comumente atingem 30ºC à meia-noite dentro da casa. Isso é um problema sério de saúde e de bem-estar", diz..

Segundo os pesquisadores, a pesquisa pode subsidiar o diagnóstico de áreas críticas para o desenvolvimento de planos de adaptação climática nas cidades do estado de SP.

Para Campelo, o fato de uma área ficar muito mais quente do que o clima que seria natural para a região traz muitos prejuízos. "A demanda por energia cresce, o estresse térmico reduz a produtividade, as hospitalizações de idosos e crianças aumentam. É urgente pensar em como tornar a vida mais confortável em nossas cidades."

A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica

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