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O
professor, Pitta e o cocô do cachorro
Ainda
tomado pelo sono, no trajeto do aeroporto até o hotel, uma
cena esteticamente desagradável me despertou, quando o táxi
parou num cruzamento do Central Park, em Nova York - um cachorro
fazendo suas necessidades.
Ao lado do bichano, o dono, de braços cruzados. O sinal ficou
verde, o táxi começou a se locomover, mas ainda deu tempo
de ver o desfecho da cena que, dificilmente, testemunharia
no Brasil. Digo dificilmente, mas talvez devesse escrever
"quase impossível".
O indivíduo tirou do bolso uma luva de plástico, ajustou-a
na mão, agarrou as fezes e saiu à procura de um cesto de lixo.
Ao retornar, semana passada, trouxe aquela lição na bagagem,
que ajuda a entender, em boa medida, porque São Paulo é São
Paulo e Nova York é Nova York.
E ajuda a entender, também, porque os Estados Unidos são os
Estados Unidos e o Brasil é o Brasil.
*
Assim
como Nova York, o Central Park melhorou - e melhorou muito.
Até pouco tempo, o parque era cercado de temor, devido à violência.
Muitas áreas estavam abandonadas ou malcuidadas, com o gramado
repleto de buracos, o lago, sujo; pontes despedaçadas. Via-se,
em certos pontos, lixo acumulado.
Já foram gastos para melhoria daquele espaço cerca de R$ 500
milhões, arrecadados pela comunidade, por meio de uma entidade
filantrópica batizada de Preservação do Central Park.
Para limpar o parque, os cachorros entraram na mira, numa
ofensiva contra seus relapsos donos.
Cada rastro canino abandonado vale uma multa de R$ 200,00,
mais do que o salário mínimo brasileiro.
O indivíduo usa a luvinha higiênica porque não quer levar
a multa. Mas também porque, simplesmente, pega mal.
*
Uma das
dicas a serem tiradas do rejuvenescimento de Nova York, conhecida
pela política de tolerância zero às delinquências mesmo aparentemente
insignificantes - tão importante como a punição é a força
do exemplo.
Bairros "finos" de São Paulo são povoados por rastros de cachorros
de madames, que se imaginam "finas".
Dá para imaginar, aqui, o dono do cachorro, de luvinha, à
procura do lixo? Difícil. Difícil até porque nem há fiscal
para punir e, aliás, muitas vezes nem cesta de lixo.
O leitor, a essa altura, deve estar rindo da ingenuidade do
colunista. Até com certa razão.
Mas o fato é que São Paulo está como está é porque consideramos
ridículo alguém falar em punição às fezes caninas.
*
Somos
o que somos porque, em boa parte, guiamo-nos por maus exemplos.
A ressurreição de Nova York, do qual o Central Park é símbolo,
está associada à sensação de que o mau exemplo é punido -
a ressurreição, evidente, também se insere no contexto do
crescimento econômico e geração de empregos.
O paulistano tem boas razões para suspeitar que o deslize
e o erro compensam. Ou, se não compensam, pelo menos não causam
prejuízos.
*
Ratificada
pela Justiça, sexta-feira passada, a queda de Celso Pitta
é, sem dúvida, um inegável avanço.
Ele deixou a prefeitura, mas seu padrinho, Paulo Maluf, responsável
pela quebra dos cofres públicos para elegê-lo, se apresenta
como candidato - e, a julgar pelas pesquisas, com chances
reais de vitória.
Na semana passada, um ótimo exemplo de mau exemplo foi oferecido,
com os ataques de professores ao governador Mário Covas.
*
O leitor
que acompanha esta coluna sabe que, entre todas as atividades
profissionais, coloco no topo o educador. É o canal de prosperidade
social e econômica de uma comunidade.
Professor despreparado e mal remunerado é sinônimo de sociedade
pobre e despreparada.
A selvageria contra o governador não representa, é claro,
o professorado, que deve ter visto, indignado, aquela cena.
Mas o fato é que, ao usar a violência, o professor, obrigado,
por definição, a transmitir disciplina, se transforma na síntese
do contra-exemplo.
Um aluno que jogasse algo num professor seria punido com dureza,
classificado, e com razão, como vândalo.
Nem cai bem, ao mesmo tempo, um governador, como ocorreu com
Mário Covas, "bater-boca" com manifestantes, colocando em
risco a imagem de seu cargo.
*
Tenho
dito, aqui, e repito: a situação melhora, diminui a impunidade,
mas, até mudarmos a visão da opinião pública e restabelecer
a confiança na autoridade pública, muito terá de ser feito.
Será preciso punir do vereador e prefeitos, passando por professores
selvagens, até a madame que acha normal seu cachorrinho sujar
o chão.
No dia em que a madame ou sua empregada usarem a luvinha para
acompanhar o cachorro, o cidadão não jogar papel no chão,
os bares e restaurantes forem punidos por deixar lixo aberto
nas calçadas, as autoridades também vão estar mais fiscalizadas
e amedrontadas.
É o círculo virtuoso do bom exemplo.
*
PS
- Aproveitando a desagradável temática escatológica. Moradores
da Rua Girassol, na Vila Madalena, em São Paulo, estão recuperando
uma praça abandonada.
Num pacto entre os moradores, decidiu-se construir, na praça,
um lugar exclusivamente para os cachorros.
Orientado por artistas plásticos, o projeto é realizado pelas
crianças do bairro.
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