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25/11/2004
-
09h23
O muro de concreto caiu. Mas em seu lugar solidifica-se a cada dia a barreira do preconceito entre os cidadãos que vieram do Leste (chamados de ossies) e do Oeste (os wessies).
Um turista que passa apenas alguns dias na Alemanha talvez nem note essa rixa. Em Berlim, cidade cosmopolita, as diferenças são ainda mais sutis. Mas ela está nos pequenos detalhes do dia-a-dia, em piadas e olhares enviesados, diz o psiquiatra Hans-Joachim Maaz, autor de diversos livros e estudos clínicos sobre o comportamento dos alemães após a reunificação do país.
Com a experiência de ter atendido mais de 5.000 pacientes na última década, ele acredita que o preconceito tende a se intensificar. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha por e-mail.
Folha - Qual foi o impacto social da reunificação?
Hans-Joachim Maaz - A grande questão é que o milagre econômico prometido não aconteceu em todo o país, muito menos no Leste. As empresas comunistas foram destruídas pela livre concorrência, e a classe média e a elite do lado oriental não foram apoiadas. Criou-se um abismo enorme entre o Leste e o Oeste, cujo ponto mais visível é o desemprego. Sem trabalho, há cidades nas quais todos os jovens estão saindo em direção ao Oeste. Podem desaparecer em alguns anos [fenômeno que os demógrafos alemães chamam de "cidades que estão encolhendo"].
Folha - Qual foi o erro do governo na transição?
Maaz - Os mentores da reunificação desconsideraram a realidade da Alemanha Oriental. Deveria ter havido um regulamento especial para que os ossies pudessem se readaptar à economia de mercado e se desenvolver com suas própria pernas, uma transição controlada.
Folha - Quais as conseqüências psicológicas dessa mudança?
Maaz - Como a perda do emprego também traz perda de status social, muitos ossies estão se sentindo novamente como pessoas de segunda classe. Mesmo aqueles que têm uma situação financeira mais privilegiada sofrem com o estilo de vida capitalista, com o consumismo desenfreado. Sofrem com o terror de poder ter tudo, de poder adquirir tudo o que seu dinheiro pode comprar. O sentido que a palavra solidariedade tinha perdeu-se no novo modo de vida. O ganho de liberdade exterior trouxe para muitos ossies a perda de valores e da liberdade interior. No meu consultório percebo um aumento expressivo de casos de depressão de quem morava na área Oriental. São sintomas de desenraizamento, que se expressam nas perguntas: "Quem sou eu? O que eu posso fazer?". Desses pacientes, 60% estão desempregados.
Folha - Os wessies não sentiram o impacto social da reunificação?
Maaz - Menos, mas sentiram. Em geral, os alemães da área ocidental se interessam pouco pela cultura dos orientais. E tendem a menosprezar a capacidade dos ossies, o que só aumenta o preconceito entre os dois grupos. Um ossie terá menos chances de fazer uma carreira profissional de sucesso no Oeste do que um wessie. Já os wessies que moram na área onde existia a Alemanha Oriental se sentem cada vez mais rejeitados, aturando piadas e olhares de reprovação.
Folha - O que deve acontecer nos próximos anos na Alemanha? A rixa tende a diminuir?
Maaz - Não creio. A tendência desse relacionamento é piorar, pois a reunificação ainda vai impor um custo econômico e social por vários anos [é cobrado um pequeno percentual dos salários dos wessies para a reconstrução da área oriental], facilitando a disseminação dos preconceitos. Um turista que fica uma semana no país pode não perceber essa rixa, mas é que o ódio entre os povos tem esse componente invisível.
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Berlim - 15 anos depois: Divisão invisível continua, afirma Maaz
do enviado especial da Folha de S.Paulo a BerlimO muro de concreto caiu. Mas em seu lugar solidifica-se a cada dia a barreira do preconceito entre os cidadãos que vieram do Leste (chamados de ossies) e do Oeste (os wessies).
Um turista que passa apenas alguns dias na Alemanha talvez nem note essa rixa. Em Berlim, cidade cosmopolita, as diferenças são ainda mais sutis. Mas ela está nos pequenos detalhes do dia-a-dia, em piadas e olhares enviesados, diz o psiquiatra Hans-Joachim Maaz, autor de diversos livros e estudos clínicos sobre o comportamento dos alemães após a reunificação do país.
Com a experiência de ter atendido mais de 5.000 pacientes na última década, ele acredita que o preconceito tende a se intensificar. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha por e-mail.
Folha - Qual foi o impacto social da reunificação?
Hans-Joachim Maaz - A grande questão é que o milagre econômico prometido não aconteceu em todo o país, muito menos no Leste. As empresas comunistas foram destruídas pela livre concorrência, e a classe média e a elite do lado oriental não foram apoiadas. Criou-se um abismo enorme entre o Leste e o Oeste, cujo ponto mais visível é o desemprego. Sem trabalho, há cidades nas quais todos os jovens estão saindo em direção ao Oeste. Podem desaparecer em alguns anos [fenômeno que os demógrafos alemães chamam de "cidades que estão encolhendo"].
Folha - Qual foi o erro do governo na transição?
Maaz - Os mentores da reunificação desconsideraram a realidade da Alemanha Oriental. Deveria ter havido um regulamento especial para que os ossies pudessem se readaptar à economia de mercado e se desenvolver com suas própria pernas, uma transição controlada.
Folha - Quais as conseqüências psicológicas dessa mudança?
Maaz - Como a perda do emprego também traz perda de status social, muitos ossies estão se sentindo novamente como pessoas de segunda classe. Mesmo aqueles que têm uma situação financeira mais privilegiada sofrem com o estilo de vida capitalista, com o consumismo desenfreado. Sofrem com o terror de poder ter tudo, de poder adquirir tudo o que seu dinheiro pode comprar. O sentido que a palavra solidariedade tinha perdeu-se no novo modo de vida. O ganho de liberdade exterior trouxe para muitos ossies a perda de valores e da liberdade interior. No meu consultório percebo um aumento expressivo de casos de depressão de quem morava na área Oriental. São sintomas de desenraizamento, que se expressam nas perguntas: "Quem sou eu? O que eu posso fazer?". Desses pacientes, 60% estão desempregados.
Folha - Os wessies não sentiram o impacto social da reunificação?
Maaz - Menos, mas sentiram. Em geral, os alemães da área ocidental se interessam pouco pela cultura dos orientais. E tendem a menosprezar a capacidade dos ossies, o que só aumenta o preconceito entre os dois grupos. Um ossie terá menos chances de fazer uma carreira profissional de sucesso no Oeste do que um wessie. Já os wessies que moram na área onde existia a Alemanha Oriental se sentem cada vez mais rejeitados, aturando piadas e olhares de reprovação.
Folha - O que deve acontecer nos próximos anos na Alemanha? A rixa tende a diminuir?
Maaz - Não creio. A tendência desse relacionamento é piorar, pois a reunificação ainda vai impor um custo econômico e social por vários anos [é cobrado um pequeno percentual dos salários dos wessies para a reconstrução da área oriental], facilitando a disseminação dos preconceitos. Um turista que fica uma semana no país pode não perceber essa rixa, mas é que o ódio entre os povos tem esse componente invisível.
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