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Paul Cabannes odeia áudios e croissant recheado, mas adora o Brasil e o sucesso que faz aqui

Humorista com milhões de seguidores conta que relação de pais brasileiros com adolescentes é mais legal que a dos franceses

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São Paulo

Não é difícil para um brasileiro se comunicar com o francês Paul Cabannes —só não cometa o crime de mandar para ele um áudio no WhatsApp. Aliás, se possível, também não mande WhatsApp nenhum, já que lá na França mal se usa esse tipo de coisa. Em Paris, legal mesmo é falar por SMS.

E, não, Paul não é um velhinho por fora das coisas. Ele tem 33 anos, mora no Brasil há sete. Acumula quase 2 milhões de seguidores no Tik Tok, e no Instagram já passa de 1 milhão. Paul entende bem de rede social, entende bem de língua portuguesa, e só não entende a mania nacional de mandar mensagem de voz em vez de escrever.

Paul Cabanes, que tem milhões de seguidores no Tik Tok e Instagram - Zanone Fraissat/Folhapress

"É horrível. Para o francês o áudio ainda é uma coisa mal vista, as pessoas têm muita preguiça de ouvir, e por conta disso pouca gente manda. Ainda se usa muito SMS, o costume é escrever mesmo", diz Paul ao Folhateen, em sua casa em São Paulo.

"Tive que me acostumar. Tipo: quando a mensagem é engraçada, eu rio do que você fala. Só que, se eu não rir na resposta, você vai achar que eu não achei engraçado. E, se eu não gostar da minha mensagem, vou ter que rir de novo, fazer duas risadas fake. Brinco que o Brasil me obrigou a me tornar uma pessoa falsa."

Aqui, Paul também foi obrigado a olhar para os emojis de outro jeito. "Vocês desvirtuaram todas as frutas, não dá mais para usar banana, nem berinjela, nem pêssego. Tem que ir com calma", comenta. Os stickers também são terreno minado: todo cuidado é pouco para não receber uma figurinha obscena ou um "padre Kelmon pelado", ele diz.

Esse tipo de piada, de um estrangeiro "traduzindo" nosso país para os seguidores, é um dos motivos a que Paul atribui seu sucesso nas redes sociais —seu vídeo mais famoso tem 14 milhões de visualizações e mostra o humorista falando sobre xingamentos em francês e em português.

"Acho que o brasileiro gosta de dar risada, então, quando [alguém] faz conteúdo de comédia, tende a funcionar bem", analisa Paul. "O resto [do sucesso] é porque sou um cara bonito, e porque o brasileiro não tem o que fazer", brinca.

Quando ainda morava na França, ele participava de um grupo de teatro junto de Luciane, brasileira com quem se casou e teve duas filhas. Em 2015, os dois e as meninas vieram de vez para o Brasil, e foram morar na cidade de Maringá, no Paraná.

"Pensei assim: não tenho um bom trabalho, não ganho bem, bora fazer filhos. Cheguei no Brasil e percebi que muita gente segue a mesma linha de raciocínio", zoa Paul, que tinha sido massagista, locutor de rádio e corretor de imóveis na França, e no Brasil virou humorista.

Em um de seus primeiros vídeos virais, ele conta, a piada era uma conversa dele com uma das filhas, que dizia ter ido comer um croissant com uma amiga a quem ela teria beijado na boca. "Daí eu falo, 'mas, espera, o croissant era sem recheio?'", lembra, morrendo de rir.

"Isso deu 4 milhões de visualizações. E eu percebi que ia ser engraçada essa história do croissant. Eu via vídeos de italianos que têm essa coisa de não poder quebrar espaguete, eles brincando com isso. Eu precisava de um alimento para fazer o francês indignado, dizendo 'uh, lá lá'. Ninguém fala 'uh, lá lá' faz 60 anos, mas eu falo."

E o tal croissant recheado virou a marca registrada de Paul, que arrumou treta até com o chef também francês Olivier Anquier, que não gostou da brincadeira que o humorista fez em um podcast, dizendo que preferia o chef Erick Jacquin a ele, já que Jacquin não venderia croissant recheado (parece que este é um pecado na França, isso de botar recheios).

"Pegou mal essa piada, e o Olivier me chamou de 'frango doente'. Em português", lembra. Aliás, "hate e ódio" são algumas das coisas que ele diz ter ganhado por conta da sua atuação nas redes sociais. Isso, e chocolates, um chapéu de festa junina e camisetas personalizadas.

O humorista diz que ama o Brasil. Aqui o clima é sensacional, avalia, e faz sol todo dia. Está certo que, em São Paulo, onde está desde 2020, ele diz ter percebido que em toda rua há pelo menos uma farmácia e uma obra acontecendo.

Também teve a parte de se entender com as gírias em português. "Alguém fala 'beleza' pra você na rua, e pra mim eu acho que ele está me elogiando. Inclusive no início eu retribuía. Dizia 'obrigado, você também'. Gerava mal-entendidos."

Paul, que no Brasil virou Paulão, Paulinho, "russo", "galego", "alemão" e "alemão da França", comenta que os apelidos são uma das coisas engraçadas do Brasil, onde ninguém chama ninguém pelo nome de verdade, diz. "Ou é simplesmente 'véi', que você pode usar para qualquer pessoa acima de 12 anos."

Ele tem três irmãos, e todos moram até hoje na França. Um é diplomata e dois são engenheiros, sendo que um trabalha no Facebook e o outro, no Google —e, não, isso não tem nada a ver com a quantidade de seguidores que ele tem nas redes. "Ali é tudo comprado. Na verdade, nem comprado, é doado", brinca.

Mas há um segredo para conseguir tantos seguidores? "Finge que você é francesa, igual eu faço. Eu nasci em Osasco, mas tenho um excelente sotaque."

E, à parte a zoeira toda, Paul fala sério quando conta que era tímido na infância, e que sentia dificuldade de ser ouvido naquela época. "Isso pelo fato de ter três irmãos, e pelo fato de que a criação francesa é bem rígida, [nela] a criança tem um lugar muito restrito. A família brasileira geralmente coloca a criança no centro das atenções", compara.

"O palco é a maneira de expressar o que você não consegue expressar na vida. E eu tenho a sensação de que as pessoas me cortam sempre, eu não consigo falar. No palco, ninguém me interrompe."

"A criança francesa é criada de uma maneira bastante reprimida, e isso gera a famosa crise de adolescência, que é um momento de grande ruptura entre o adolescente e os pais. E de violência às vezes. Tem medo de fuga de casa", conta. Ele mesmo fugiu por dois dias na infância, porque a mãe não o deixou ver um amigo.

"No Brasil tem muito mais apego entre os filhos e os pais. Na França tem muito essa ideia de que pai não pode ser amigo do filho, é uma relação muito mais formal. Estou tentando criar uma relação assim com minhas filhas, de brincadeira, cumplicidade. E o desafio é colocar os limites dentro disso."

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