Chamar adolescente de 'aborrecente' é injusto, diz a atriz Larissa Nunes

A Letícia de 'Além da Ilusão' fala sobre juventude e sobre ser negra na TV: 'As pessoas acham que todo preto faz o mesmo trabalho'

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Larissa Nunes, no Teatro Uol Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

Larissa Nunes não gosta quando as pessoas se referem aos jovens como "aborrecentes". "Porque [a adolescência] não é sobre aborrecimento, é sobre descoberta. E descobrir as coisas demora, a gente erra, muitas vezes", diz a atriz de 27 anos que entrou para o teatro aos 14 para ver se "curava" seu comportamento.

É que ela, que foi uma criança comunicativa, "meio nerdzinha" e extrovertida, passou a se fechar: de repente se afastou das amigas e se mudou para o fundão da sala, onde se sentavam os meninos quietos, os góticos, os bagunceiros e todos os que não se encaixavam.

Os professores chamaram sua mãe e deram a ela duas alternativas: fazer terapia ou subir no palco. Como ir ao psicólogo era um tabu na época, Larissa entrou para um grupo de teatro.

"Comecei a ver a atuação de um jeito diferente. Eu queria estar na câmera, eu queria contar essas histórias, eu queria fazer essas personagens", lembra. Ela estreou em uma peça de teatro e logo soube que era isso que queria fazer da vida. Depois da formação em teatro, foi estudar dramaturgia.

Larissa estreou no audiovisual aos 22 anos - Adriano Vizoni/Folhapress

Nascida em São Paulo, Larissa tinha 22 anos quando estreou no audiovisual. Ainda fazia o curso de formação de atores na Escola de Arte Dramática da USP (Universidade de São Paulo) quando a Netflix a convidou para uma participação na série "3%" (2016).

No ano seguinte, foi chamada para ser Ivone em "Coisa Mais Linda" (2019), ao lado de Pathy Dejesus e Maria Casadevall.

Depois de ser Letícia em "Além da Ilusão" (2022), sua primeira novela na Globo, ela agora se prepara para uma maratona de lançamentos no streaming, todos com papéis de destaque. Ainda este ano, estreia na Paramount+ na série "Spider", que narra a história de Anderson Silva, um dos mais importantes atletas do MMA mundial.

Filha de mãe solo que trabalhava em tempo integral, Larissa passou a infância dentro de casa, acompanhada pela avó materna, Maria Euza, que perdeu a visão antes mesmo de a neta ter nascido. A atriz cresceu nas periferias e morou em vários lugares, de Cotia à capital. Sem contato com a rua, recorria à imaginação, à TV e à música para criar um mundo só seu.

"Eu nunca tive medo de mostrar a minha criatividade para minha avó. Por um lado, por ela não me enxergar literalmente, mas também por ela me enxergar [por completo], de uma certa forma. Ela brincava comigo, me ensinava muitas coisas e a música foi o meu primeiro contato com a arte", conta a artista, que começou ainda pequena a escrever músicas e cantar.

Larissa cresceu longe do pai. Quando quis conhecê-lo melhor, em meados de 2019, ele morreu. Antes disso, ela havia perdido a avó.

Foi só mais velha que Larissa passou a pensar sobre ser uma mulher negra. Ela conta que, durante a infância e adolescência, não entendia o sentido do racismo e por que determinadas situações aconteciam com pessoas negras, como quando faziam piada com seu cabelo.

Hoje, vê sua negritude como força e adora brincar com seus fios. Alterna entre o natural, as tranças, laces e um visual mais curto. Como a única aluna negra de sua turma na USP, ela diz que ao se encontrar num lugar solitário busca se preservar e assumir sua própria identidade.

"Nós, artistas pretos, temos as pessoas sempre generalizando o nosso trabalho. Acham que todo preto faz o mesmo trabalho. Mas só você faz o que você faz e como você faz. Eu precisava encontrar a minha forma de ver o mundo e de ser atriz, porque senão as pessoas iriam generalizar", afirma.

Em "Spider", a atriz viverá o desafio de interpretar uma mulher mais madura que ela, mãe de cinco filhos e tão imponente quanto o próprio Anderson Silva, seu marido.

A convite da Star+, Larissa vai interpretar Marina, uma das protagonistas de "Vidas Bandidas". Ela é uma jovem mãe que vê seus sonhos mudarem ao ser puxada pela violência. Na produção, ela divide as cenas com Juliana Paes, que interpreta Bruna, chefe de uma quadrilha que assalta turistas no Rio de Janeiro.

Larissa também gravou neste ano uma série de época. Em "Americana", da mesma plataforma de streaming, ela interpreta Sebastiana, jovem negra escravizada no século 19. Inteligente e fluente em inglês, a personagem lidera as investigações de um assassinato em Americana, no interior de São Paulo, mas é tratada de forma racista pelos moradores do local.

Para a produção, Larissa teve aulas de piano e alemão, além de revisar o inglês. Essa é a primeira vez que ela contracena com um elenco internacional, experiência que a prepara para um de seus sonhos: viajar para fora do Brasil.

Com seu alcance, a atriz busca expandir o seu lugar para que outras pessoas negras possam vir. "Minha turma foi a última antes da instauração de cotas no curso de arte dramática na USP. A turma que entrou depois de mim tinha metade de alunos negros", exemplifica.

Larissa quer consolidar ainda mais a carreira, realizar sonhos ao lado da mãe, e planeja lançar parcerias com outros cantores. "É um momento de mostrar mais do meu amor pela música brasileira, pelo samba, pelos ritmos afro e pela poesia."

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