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Fãs adultos de Harry Potter devem 'crescer' e 'superar' a franquia?

Atriz dos filmes disse que fãs adultos já deveriam ter superado a saga juvenil

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Yasmin Rufo
BBC NEWS

Visitei a plataforma 9 ¾ da estação Kings Cross, em Londres, quando era criança. Obcecada por Harry Potter, eu estava convencida de que, se atravessasse a parede, me encontraria de braços dados com Rony e Hermione, embarcando no Expresso de Hogwarts, a caminho de me tornar uma bruxa de pleno direito.

Claro, eu teria que deixar meus pais 'trouxas' para trás, mas aos 10 anos era um sacrifício que estava preparada para fazer.

No entanto, minha tentativa de atravessar a parede de tijolos me rendeu apenas um machucado na cabeça e a magia foi, literalmente, arrancada de mim.

Hector Garcia segurando varinha mágica e fantasiado com uniforme dos filmes Harry Potter
Hector Garcia diz que fez amizades duradouras através da comunidade online de 'Harry Potter' - Hector Garcia

Embora isso tenha encerrado abruptamente meu sonho de ir para Hogwarts, para alguns fãs da franquia Harry Potter a fantasia continua viva até a idade adulta.

Não é de admirar que muitos tenham entrado em um colapso frenético nas redes sociais depois que Miriam Margolyes, atriz que interpretou a professora Pomona Sprout na série de filmes, disse aos fãs adultos para "crescerem" e "superarem isso".

Em duas entrevistas recentes na Nova Zelândia e na Austrália, a atriz de 82 anos disse que se preocupa com os fãs adultos da série de livros e filmes, já que "eles já deveriam ter superado isso".

"Isso foi há 25 anos e acho que é para crianças", disse Margolyes à emissora neozelandesa TZNZ.

"Eu faço cameos [mensagens de vídeo personalizadas] e as pessoas dizem que estão fazendo um casamento com o tema Harry Potter, e eu penso: 'Oh meu Deus, como será a primeira noite de diversão deles?'"

Miriam Margolyes
Miriam Margolyes disse que adultos que fazem casamentos com o tema Harry Potter "já deveriam ter superado isso" - Reuters

A atriz, que recentemente posou nua atrás de uma pilha de pães gelados para uma sessão de fotos da revista Vogue, disse mais tarde à ABC News Australia que, quando os adolescentes passarem pela puberdade, "chegou hora de esquecer isso e passar para outras coisas".

Mas afinal, os fãs adultos deveriam mesmo deixar de lado suas varinhas, esquecer o mundo mágico e aceitar que Harry Potter "é para crianças", como diz Margolyes?

Para muitos millennials, a história faz parte de sua identidade. Os livros, escritos por JK Rowling, foram lançados entre 1997 e 2007, e os oito filmes entre 2001 e 2011.

A maioria de nós pode ocasionalmente assistir novamente aos filmes em uma tarde de domingo e se sairia relativamente bem em um quiz de curiosidades sobre a franquia, mas para algumas pessoas o interesse vai muito além disso.

Jennifer Peiro e Hector Garcia são dois criadores de conteúdo na casa dos 30 anos que administram contas dedicadas a Harry Potter no Instagram.

Peiro, cuja conta tem mais de 120 mil seguidores, diz que é difícil fazer amigos na idade adulta. Mas sua conta nas redes sociais a ajuda a "se conectar com pessoas que pensam como você".

Para Garcia, criar conteúdo de Hogwarts "tem sido uma das partes mais gratificantes e curativas da minha vida adulta".

Ambos dizem que o mundo bruxo oferece uma forma de escapismo e comunidade para eles. "Recebo regularmente comentários de pessoas de todo o mundo dizendo como a história os salvou em tempos sombrios, como é o seu espaço seguro e conforto", explica Peiro.

Garcia acrescenta que o seu relato "evoluiu para algo que posso usar para esquecer a vida de forma saudável e terapêutica".

É difícil culpar esses fãs por quererem trocar a mundanidade da vida cotidiana por um universo onde as aulas de poções e as partidas de quadribol reinam supremas.

Uma potterhead (apelido dados aos fãs da franquia) que faz parte do fandom é Rachel Parker, organizadora de casamentos de 32 anos especializada em cerimônias com "tema nerd".

Já adulta, ela se envolveu fortemente na comunidade online, que ela diz ser o legado mais duradouro de Harry Potter.

Rachel Parker
A organizadora de casamentos Rachel Parker disse que muitos de seus clientes tiveram elementos inspirados em Harry Potter em seu grande dia - Rachel Parker

Desde fóruns online e sites de fanfic até encontros reais e clubes do livro, a comunidade "quase ultrapassou os próprios livros e criou muito mais", explica Parker.

Claro, Harry Potter não é o único mundo de fantasia pelo qual alguns adultos, como Rachel, são obcecados. Você provavelmente encontrará pessoas de todas as idades visitando os parques temáticos da Disney pela centésima vez ou reencenando cenas de batalha do Senhor dos Anéis em seu tempo livre.

Na verdade, o número de pessoas que participam das Comic-Cons, convenções de entretenimento realizadas anualmente em vários países e em que as pessoas se fantasiam de personagens de ficção, aumentou dramaticamente —em 2023, mais de 285 mil visitantes compareceram à CCXP— Comic Con Experience em São Paulo.

Ainda mais impressionante é que o tour oferecido pela Warner Bros em seus estúdios de Londres, onde vários dos filmes do Harry Potter foram produzidos, recebeu mais de 16 milhões de visitantes desde que foi inaugurado em 2012.

'Pior tipo de agressor'

Como esses fãs obstinados reagiram quando Margolyes lhes disse para guardarem as vestes e vassouras em favor de interesses mais adultos?

Maddi Harwood, 32 anos, que administra uma conta no Instagram dedicada a livros do gênero fantasia, disse que está "acostumada com valentões zombando de mim por amar Harry Potter".

"O pior tipo de agressor é aquele que zomba de outra pessoa por algo que ela absolutamente ama e adora", acrescenta ela.

"É desnecessário envergonhar as pessoas por gostarem de algo, especialmente quando ela lucra com Harry Potter", explica Peiro.

Críticos e comentaristas expressaram opiniões divergentes sobre os comentários de Margolyes.

A crítica de cinema do City AM, Victoria Luxford, disse à BBC: "Esta não é uma conversa que temos sobre música ou esporte, você não cresce e para de torcer para um time de futebol ou de ouvir seu artista favorito, então por que deveria ser diferente para filmes?".

Ela disse que Margolyes fez o comentário porque "não entendeu".

"É uma coisa geracional", sugere Victoria. "A ideia de guardar coisas da infância que você gosta é relativamente recente".

A crítica de cinema Siobhan Synnot chamou os comentários de Margolyes de "esnobes", acrescentando: "Os filmes infantis clássicos também podem falar aos adultos, trata-se de ambição, sofisticação e qualidade, não de faixa etária".

No entanto, Lindsey Fraser, que foi um dos primeiros críticos de livros a escrever uma resenha de "Harry Potter e a Pedra Filosofal" em 1997 para o The Scotsman, disse: "Os livros são definitivamente livros infantis.

"Mas foi uma jogada inteligente da Bloomsbury publicar edições 'adultas' —a única diferença é o design."

Não são apenas alguns críticos que concordam com Margolyes, mas alguns adultos que amavam Harry Potter quando crianças também acham que é hora de as pessoas superarem isso.

"É fofo se você é um pai curtindo isso com seus filhos ou assistindo ocasionalmente, mas o fandom completo é uma mega bandeira vermelha", disse Ellie Piggott, de 26 anos, à BBC.

'Não é uma história infantil'

Além do escapismo e do conforto, alguns fãs argumentam que os livros são, na verdade, mais voltados para adultos.

"Há muitas questões do mundo real por trás de toda a magia que normalmente não se pensaria em dirigir às crianças —temas como o verdadeiro custo da guerra, depressão, racismo, sacrifício e corrupção no governo", diz Kelly Komar, de 34 anos, que é uma ávida colecionadora de Harry Potter.

Ioannis Karellis vai um passo além. "Em alto nível, a história é sobre um tirano racista malvado e seu bando de seguidores que torturam e assassinam regularmente a oposição e tomam o poder político pela força para impor sua própria visão de mundo às pessoas —claramente esta não é realmente uma história infantil."

O jovem de 26 anos que relê os livros regularmente disse que descobriu recentemente uma nova interpretação.

"A negação do Ministério da existência de Voldemort até que fosse absolutamente irrefutável por causa do medo do que isso significaria traça paralelos com a forma como os governos responderam à Covid-19."

Certamente parece que os adultos continuam muito interessados na franquia.

Em 2018, o programa de televisão Mastermind, de perguntas e respostas, pediu aos candidatos que mudassem seus tópicos especializados depois que o quiz show recebeu 262 inscrições para responder perguntas sobre Harry Potter.

Matthew Cortland, que fundou uma rede de bares que oferece experiências imersivas de feitiçaria e magia, diz que as pessoas são "fascinadas pela fantasia porque ela fornece uma realidade alternativa para as pessoas existirem".

"Todo mundo quer encontrar um lugar ao qual pertence e quando a sociedade te rejeita, você busca conforto em outro lugar", acrescenta.

Na série, Dumbledore diz uma vez que "a felicidade pode ser encontrada, mesmo nos momentos mais sombrios, se apenas nos lembrarmos de acender a luz".

Para muitos adultos, não importa o que Margolyes diga, essa luz vem na forma de Harry Potter.

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