Porteiros de escolas dão o primeiro 'bom-dia' aos alunos e têm afeto por eles

Quatro responsáveis pela portaria de colégios falam o que a profissão tem de melhor e pior, entre despedidas e o calor

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São Paulo

Tio Kevin todo dia chega às 7h da manhã ao Colégio Itatiaia, no Paraíso, em São Paulo. Se coloca a postos, e em alguns minutos começa a receber os alunos do infantil e suas famílias. Kevin é o porteiro dessa unidade do colégio há cerca de cinco anos e, assim como outros profissionais da área, tem papel fundamental na vida de muitas crianças, trabalhando quase como um educador junto dos professores.

Tio Kevin, 27 anos, recebe alunas do Colégio Itatiaia - Karime Xavier/Folhapress

Antes de ser porteiro de escola, Tio Kevin Alexsandro Correia Alberto, 27 anos, trabalhou em um condomínio. Lá, aprendeu regras importantes da profissão: ser atento, ter cuidado com as pessoas e "proteger seu local de trabalho em qualquer situação".

Entre as obrigações de quem trabalha com isso estão zelar pela segurança de todos da escola, sejam alunos, educadores ou familiares da comunidade, ficar ligado no movimento das calçadas do entorno da escola, ajudar na entrada e saída de todos pelos portões e também no fluxo dos carros que fazem fila em frente, e atender aos visitantes, dando orientações corretas.

Só que estes profissionais não param nas obrigações e costumam fazer mais do que é pedido —tipo se afeiçoar às crianças de quem cuidam. "É bem comum a gente pegar carinho. Se eu tiver alguma tristeza, por exemplo, são as crianças que me fazem esquecer e ficar alegre, pra poder levar meu dia a dia melhor", diz Tio Kevin.

Esse apelido antes do nome, aliás, é uma das partes favoritas do trabalho de Elenita Maria de Carvalho Ananias, que trabalha há 30 anos como agente de organização escolar, que é a nomenclatura oficial do cargo de porteiros e porteiras na rede pública de São Paulo.

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Elenita Maria de Carvalho Ananias, agente de Organização Escolar (AOE) da Escola Estadual Heckel Tavares, na zona leste de São Paulo - Sérgio Barzaghi/Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SP)

"Eu sou chamada de tia, e às vezes eles nem sabem meu nome. É um apelido carinhoso, eu não falo nada porque eu gosto. Eles chegam, me beijam, e parece que sou alguma coisa da família deles. Tenho um carinho muito grande por eles", diz Tia Elenita, agente da Escola Estadual Heckel Tavares, na zona leste.

Tomás Ricardo não é chamado de tio, mas tem seu apelido: Tom. E Tom é porteiro na escola Camb, na Vila Mariana, há 26 anos, depois de ter trabalhado como segurança. Ele diz que é inevitável sentir ternura pelos alunos. "Estamos todos os dias aqui, recebendo-os no início do período e nos despedindo ao final. Somos o primeiro 'bom-dia' que eles ouvem e o último 'até amanhã'", fala Tom.

"Criamos cumprimentos divertidos e brincadeiras engraçadas. É comum eu pedir que as crianças me levem embora para casa com elas. Alguns respondem que sim e pegam na minha mão, como se me conduzissem até o carro. Outros dão risada e dizem que não. E outros não me deixam nem perguntar e já dizem 'Vai ter macarrão e você não pode jantar na minha casa!'", brinca. "Eles me dão muito carinho todos os dias e eu retribuo com toda verdade."

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O porteiro Tom, da escola Camb, na Vila Mariana - Carolina Pires/Divulgação

Para Elenita, um porteiro de escola deve ter muita paciência. "Eles são carentes e precisam de atenção. A gente deve tratá-los como se fossem nossos próprios filhos", afirma. Ela lembra que, esses dias, um aluno avisou que ia se mudar de cidade, e foi uma comoção no colégio.

"É um aluno sempre sorridente. O pai dele comprou uma padaria no interior e ele teve que ir embora. Fiquei muito triste, eu e a sala dele inteira chorando. Ele é um bom menino", conta. Mas, para Elenita, a melhor parte de ser agente de organização é anos depois encontrar sem querer por aí algum antigo aluno ou aluna.

"Eles falam 'Tia, eu me lembro que você falava 'estuda, estuda, porque o estudo é tudo pra gente', e agora eu tô fazendo faculdade, trabalhando'. Às vezes a pessoa casou e me mostra o filho. Pra mim, é muito gratificante saber que eles ficaram bem, é muito emocionante."

"Tem criança que está aqui desde o berçário, e quando elas saem da escola é complicado. A gente fica triste, mas por outro lado pensa que ela está evoluindo, saindo por um bem maior. Sinto falta da amizade e do companheirismo, mas torço pra que eles sejam felizes e a gente consiga ver eles formados, com uma profissão, sendo alguém na vida", diz Marcelo Custódio da Silva, há oito anos porteiro da unidade Bela Vista do Itatiaia, e há 20 anos na profissão.

Ter boa memória é outra exigência importante nesse trabalho nas escolas. Já reparou como eles sempre sabem o nome de todo mundo, assim como quem pode e quem não pode buscar uma criança na hora da saída?

"São anos e anos de treino! No começo do ano ou no momento da entrada de novos alunos, eu me apresento, pergunto o nome da criança, acompanho a entrada e converso com as famílias. Em muito pouco tempo eu já os conheço, bem como eles a mim", diz Tom.

Todos os porteiros ouvidos pela Folhinha concordam que a parte mais difícil do trabalho são as brigas. Tem briga de família, quando os responsáveis não se falam e discordam sobre as coisas dos filhos; tem briga entre alunos, como conta Elenita, que às vezes precisa apartar um adulto que vai tirar satisfação com uma criança; e tem briga até com os próprios porteiros.

"Uma vez, um avô veio buscar o neto. Era a primeira vez que vinha, eu não o conhecia. Ele se apresentou e pedi que aguardasse porque a portaria não havia recebido qualquer autorização. Ele foi ficando nervoso e impaciente. Gritava ameaçando que ligaria para a polícia porque 'o senhor porteiro' estava impedindo que ele retirasse o neto", lembra Tom.

"Nessas horas, eu respiro fundo, adoto um tom de voz calmo e um ritmo mais lento para explicar o procedimento, reforçando a mensagem de segurança. Já pensou se eu entregasse as crianças para todas as pessoas que chegassem aqui no meu portão e dissessem que são parentes dos alunos?".

O calor, lembra Marcelo Custódio, também é uma coisa chata. "A gente chega a ficar desanimado", diz. "O clima é mesmo difícil", completa Tom. "Lidamos com todas as intempéries, que nos últimos tempos têm sido muito extremas."

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a crianç

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