Crítica - Cinema/drama
Irmãos Dardenne já foram mais memoráveis
'Dois Dias, Uma Noite' conta luta de mulher que precisa convencer colegas a renunciar a bônus para reaver emprego
Em "Dois Dias, Uma Noite", Sandra (Marion Cotillard) perde o emprego depois de um período de licença por doença. No local onde trabalha, seus colegas optam por cortar seu posto em troca de um bônus de mil euros (R$ 3.000).
Resta uma oportunidade de reaver o emprego: conseguir, em um fim de semana, convencer a maioria de seus colegas (são 16) a renunciar ao bônus e aceitá-la de volta.
Em princípio, é o desemprego de Sandra o centro do novo filme dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, tanto mais que ela e o marido precisam do dinheiro para pagar as prestações da casa.
Ao longo da extenuante maratona a que se dedica Sandra --explicando aos colegas seu problema e recebendo todo tipo de resposta, da solidariedade completa à rejeição integral-- é lícito pensar em uma perda de foco dos Dardenne.
Cada vez ela explicará toda a questão: que o contramestre fez pressão e ameaças etc. O problema é que cada um dos demais terá motivações pessoais quase sempre justas para estar ao seu lado ou não renunciar ao bônus.
Nesse impasse, parece secundária a questão do desemprego na Europa atual ou mesmo a problemática indústria europeia, forçada a concorrer com países que oferecem preços muito inferiores.
O que permanece na surdina, mas é afinal aquilo de que o filme melhor dá conta, é a decorrência do desemprego e da situação de concorrência: o crescente individualismo, que corre paralelo à degeneração das relações (claro, existem manifestações de solidariedade intensas, mas elas correspondem àquilo que se criou ao longo do século passado, antes que o neoliberalismo se impusesse).
Acrescente-se a isso o comportamento do marido de Sandra: Manu (Fabrizio Rongione) não sofre por forçar a mulher a fazer um papel que ela julga humilhante. Há um inequívoco sadismo em seu modo de ser, apesar da simpatia que afeta: talvez seja outra maneira de nos lembrar de como as relações se degradam na crise do capitalismo.
Mais do que tudo, porém, "Dois Dias" nos lembra que o cinema dos Dardenne parece sofrer hoje de certa fadiga: já soube ser mais agudo e memorável. Aqui, o essencial é jogado nas costas e, sobretudo, no rosto de Cotillard. Menos mal, ela segura o rojão.