Descrição de chapéu teatro

Farjalla ressalta o sagrado e o profano em Nelson Rodrigues

Diretor volta à obra rodriguiana com 'Senhora dos Afogados'

MLB
São Paulo
Peça "Senhora dos Afogados", em montagem do diretor Jorge Farjalla
Rafael e João Vitti, filho e pai, em cena da peça, que está em cartaz no Teatro Porto Seguro - Carol Beiriz/Divulgação

O mar é a força que carrega as tragédias da família Drummond em "Senhora dos Afogados", de Nelson Rodrigues (1912-1980). Na montagem do diretor Jorge Farjalla, que acaba de estrear em São Paulo, a água torna-se mais turva, suja de lama.

O encenador situa a história em Pernambuco, onde o dramaturgo nasceu e passou parte da infância. "Olhei para esse Nelson menino e pensei nele imaginando esse mar."

Farjalla montou no ano passado outra das chamadas "peças míticas" de Nelson, segundo classificação do crítico Sábato Magaldi. Em "Doroteia", sobre uma exuberante ex-prostituta que é maltratada pelas mulheres da família, ele enfeava as atrizes Rosamaria Murtinho e Leticia Spiller, numa brincadeira sobre o conceito de beleza.

Já em "Senhora dos Afogados", Farjalla suja de lama os atores (entre eles Letícia Birkheuer, que se divide em papéis masculinos), simulando esse mangue pernambucano, onde há "uma diversidade de vida e, ao mesmo tempo, de morte, porque o mar entra no fim do dia e acaba com tudo".

Os tons soturnos continuam no figurino, finalizado em betume; no cenário todo limpo, com alguns galhos que rementem ao mangue e um grande farol ao centro; e ainda na iluminação, com contrastes de claro e escuro.

FAMÍLIA PURITANA

Tudo para dar o ar sombrio da tragédia dos Drummond, família cujo puritanismo esconde relações incestuosas e assassinatos. Enquanto o clã chora por Clara, filha que morreu afogada, prostitutas do cais do porto lamentam a morte ainda impune de uma delas, ocorrida 19 anos antes.

Acredita-se que o assassino da prostituta seja o juiz Misael (João Vitti), patriarca dos Drummond. Sua filha Moema (Karen Junqueira) nutre por ele um grande amor e trama para que sua mãe (Alexia Dechamps) traia o pai com o próprio noivo (Rafael Vitti).

Não à toa as semelhanças com as tragédias gregas: Nelson Rodrigues se inspirou em “Electra e os Fantasmas” (1931), peça do americano Eugene O’Neill. Esta, por sua vez, bebe na trilogia “Oréstia”, de Ésquilo, sobre as maldições que recaem sobre a família do rei Atreu.

A estrutura de “Senhora dos Afogados” também remete aos gregos, como o coro, aqui representado pelos vizinhos dos Drummond, que cantam e comentam os acontecimentos.

SAGRADO E PROFANO

Farjalla pesquisa há anos a obra rodriguiana por meio do Evangelho, também baseado no livro "Nelson Rodrigues Evangelista", de Francisco Carneiro da Cunha. Em seu "Senhora dos Afogados", o diretor realça o sagrado e o profano nas relações dos personagens.

Como numa das cenas que diz: "Clarinha morreu, mas eles devem cear. Uma ceia sem pão e sem vinho".

É dali que o diretor faz, por exemplo, uma referência à Santa Ceia. "Normalmente, é o profano que se alimenta do sagrado. Aqui é o inverso, o sagrado é que se alimenta do profano", diz o diretor.

Também põe os personagens a lavar as mãos ("como não querem assumir a culpa de seus crimes") e mancha de sangue a água dos culpados. Já Misael e o noivo de Moema --interpretados por João e Rafael Vitti, pai e filho-- funcionam como Cristo e seu duplo, uma espécie de Anticristo.


SENHORA DOS AFOGADOS

QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h; até 29/4

ONDE Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740, tel. (11) 3226-7300

QUANTO R$ 70 a R$ 90

CLASSIFICAÇÃO 16 anos

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