Descrição de chapéu Artes Cênicas teatro

Nuno Ramos confina atores para recriar 24 horas de atrações da Globo

Artista faz performance 'A Gente se Vê por Aqui' do Fantástico ao Jornal Nacional do dia seguinte

Gustavo Fioratti
São Paulo

Para o mesmo segundo em que começa o Fantástico, da Globo, está programado o início da peça "A Gente se Vê por Aqui", que Nuno Ramos apresenta na MITsp - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo neste domingo (11).

E, na mesma hora em que se encerrar o Jornal Nacional, no dia seguinte, os dois atores do espetáculo estarão livres para deixar o confinamento de cerca de 24 horas.

Os horários de início e fim dessa prova de resistência têm algo de arbitrário, mas não de aleatório. Arbitrário porque foi Nuno, como criador, quem fez a escolha, seguindo uma memória da infância.

"Quando eu era menino, tudo era antes do Fantástico, na hora do Fantástico, depois do Fantástico. Ou depois do Jornal Nacional. A Globo é tão presente que ela cria uma espécie de relógio nacional."

Não é só o tique-taque da programação global que age diretamente sobre a peça. As vozes e sons dessa mesma programação que corre de domingo para segunda serão reproduzidas pelo par de intérpretes (Danilo Grangheia e Luciana Paes) em uma espécie de tradução simultânea.

A coisa funciona assim: os atores usam fones de ouvido; eles só ouvem as vozes um do outro e aquilo que a Globo estiver transmitindo; na frente da plateia, pescam frases e diálogos de novelas, jornais, filmes, propagandas para ressignificá-los em cena.

As atuações serão amparadas ainda pelo que Nuno está chamando de kit sobrevivência: geladeira, fogão, banheiro, comida, sofá e cadeira. Também haverá o kit jogos (baralho, saco de boxe, peteca) e o kit atuação (perucas, maquiagem e vestimentas).

Pela experiência de realizar esse mesmo espetáculo no ano passado em Porto Alegre, Nuno recomenda aos atores que não se preocupem em mimetizar os textos da programação na íntegra. "O ator fica correndo, é muito texto, fica horrível". Ele compara esse "mar de falas" a um "banquete que está sendo oferecido aos atores". Devem pegar o que lhes interesse.

Com esse laboratório que joga intérpretes em situação de risco, Nuno faz sua primeira inserção nas artes cênicas.

Conhecido pela trajetória de quase 40 anos nas artes visuais, ele foi se aproximando aos poucos do teatro, especialmente pela possibilidade de integrar vozes aos projetos.

Em 2010, "Bandeira Branca", um espaço na Bienal Internacional de Artes coabitado por esculturas e urubus, já trazia a utilização de cantos: Mariana Aydar cantava "Carcará"; Arnaldo Antunes, "Bandeira Branca", e a sambista Dona Inah, "Acalanto", de Dorival Caymmi.

Nuno diz que anda "muito atraído por essa cena da palavra". Ele também lançou um livro recentemente, "Adeus, Cavalo", centrado na figura de um ator. "Formalmente, qual o lugar da palavra?", questiona. "E qual o lugar da palavra na matéria formada pelo ar. [Como artista plástico], já trabalhei com vaselina, com areia e com um monte de outros materiais."

Ao tatear sentidos concretos para o verbo, o artista não esvazia, porém, seus significados. Ele é autor da performance essencialmente política "111 Vigília Canto Leitura", de 2016. Nela, artistas (Helena Ignez, Laerte, Marcelo Tas, Marina Person, Rita Cadillac, Zé Celso e outros) liam o nome dos 111 mortos no massacre do Carandiru (1992), também durante 24h, com transmissão online. Mais um passo em direção ao palco.

Nuno afirmou em entrevistas que sua vigília fez um contraponto à forma como a mídia abordou o massacre, expondo imagens dos cadáveres acumulados em corredores do complexo carcerário.

A TV, para ele, simula um "espaço público que o país nunca criou". A Globo participaria com força desse fenômeno, "às vezes para o bem, às vezes para o mal". Então, seria preciso "tomar posse desse espaço público".

Para os interessados em acompanhar a performance: o espaço tem 80 lugares; haverá uma fila e, se a lotação atingir seu limite, para cada pessoa que sair, uma vai entrar. Nuno promete um pipoqueiro na porta.

 

A GENTE SE VÊ POR AQUI

QUANDO das 21h de dom. (11) às 21h de seg. (12/3); horários podem variar segundo grade da Globo

ONDE Galpão do Folias, r. Ana Cintra, 213, tel. (11) 3361-2223

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