Descrição de chapéu
Artes Cênicas teatro

Peça sobre tradições apresenta discurso frágil

Rebelião - O Coro de Todos os Santos, do Teatro do Incêndio, tem narrativa tumultuada e premissa paradoxal

BRUNO MACHADO
São Paulo

REBELIÃO - O CORO DE TODOS OS SANTOS

  • Quando sáb, às 20h, dom., às 19h; até 24/7
  • Onde Teatro do Incêndio, r. Treze de Maio, 48, tel. (11) 2609-3730/ 2609-8561
  • Preço contribuição voluntária
  • Classificação 16 anos

No programa de “Rebelião – o Coro de Todos os Santos”, o dramaturgo e diretor Marcelo Marcus Fonseca afirma: “Teatro não é entretenimento”. Causa estranheza, portanto, que o encenador recorra a tantos recursos do teatro popular, de personagens alegóricos a esquetes de humor físico, para divertir o público.

A montagem do grupo liderado por Fonseca, o Teatro do Incêndio, é a segunda da trilogia “A Gente Submersa”, iniciada em 2017 com uma peça homônima —um projeto de pesquisa de manifestações populares brasileiras que, para o coletivo, correm risco de extinção com a ostensiva influência estrangeira no país.

Gabriela Morato e Marcelo Fonseca, em cena de “Rebelião – o Coro de Todos os Santos” - Lenise Pinheiro/Folhapress

Essencialmente alegórico, “Rebelião” é protagonizado por um trio de personagens: Artura (Gabriela Morato), Cacimba (Elena Vago) e Ji (Francisco Silva) viajam pelo interior do país para devolver aos portugueses os séculos de jugo colonizador, simbolizados por uma cruz. Como Antônio Conselheiro, eles recrutam os maltrapilhos que encontram no caminho para lutar contra figuras míticas conhecidas como arranca-línguas.

Se o grupo de jagunços representa o povo brasileiro oprimido, essas temíveis figuras, por sua vez, são uma espécie de alegoria-guarda-chuva para os opressores: o colonizador europeu, o capitalista inescrupuloso, o parlamentar evangélico, o feminicida, entre outras caricaturas que surgem e desaparecem, na tumultuada narrativa.


Não são somente os antagonistas os elementos mal estabelecidos. Os protagonistas, seus anseios, as alegorias que representam e mesmo o conteúdo delas são pouco desenvolvidos. São graves os prejuízos à narrativa, que se sustenta com dificuldade.


Em detrimento da encenação de uma história consistente, a dramaturgia busca abranger a complexidade dos conflitos sociopolíticos brasileiros, mas com pouco êxito: assim como os demais componentes estruturantes do espetáculo, a crítica é frágil e imprecisa —metralhadora que atira indiscriminadamente em múltiplos alvos. 

Ruidoso, o discurso político da peça é também simplista ao opor oprimidos ingênuos e opressores sagazes.

Ao buscar uma encenação eminentemente política (e aqui pode-se discutir se toda expressão artística é política), a direção desperdiça os recursos lúdicos e, assim, a chance de engajar o público. Afinal, o entretenimento também pode ser politizado.

De todas as deficiências de que “Rebelião” padece, a maior ainda é sua premissa paradoxal: a peça celebra o choque de culturas que só ocorreu no Brasil devido ao processo colonizador, ainda que ao preço do genocídio indígena e da escravidão negra, entre outras atrocidades. 

Portanto devolver aos portugueses o seu legado, como querem os protagonistas —ou reverter o processo histórico brasileiro, em outras palavras—, implicaria também o desaparecimento desse amálgama cultural tão caro ao projeto do Teatro do Incêndio.

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