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Um crime brutal. Um assassino confesso que pode ser condenado à morte. Um advogado idealista que duvida da culpa.
Em seu décimo segundo longa, o japonês Hirokazu Kore-eda parece dar uma pausa em suas crônicas sobre a vida em família para abordar o problemático conceito de verdade a partir da mistura de elementos de “thriller” policial e de drama de tribunal.
Depois de compor, em duas décadas, um conjunto de filmes interpretados como uma atualização, nos temas, do cinema de Yasujiro Ozu, desta vez Kore-eda abriga-se sob a influência do revolucionário “Rashomon” (1950).
O longa de Akira Kurosawa reconstituía um crime por meio dos relatos complementares e disparatados de testemunhas e protagonistas, relativizando a verdade numa sucessão de pontos de vista.
Kore-eda propõe uma variação dessa ideia suspendendo a estrutura múltipla que fez do filme de Kurosawa um clássico moderno. Aqui, o foco desloca-se para a dupla face da culpa e da inocência, representadas nos polos contrários, mas complementares, de um assassino confesso e de um advogado que tenta desvendar as circunstâncias que possam livrar seu cliente da pena de morte.
A primeira cena apresenta o crime, mas de maneira estilizada, fazendo o ato parecer fluido, quase irreal. A reação de Misumi (Kôji Yakusho), o assassino, ali e em suas reaparições na cadeia é turva, mantém na sombra as reais motivações.
O desempenho racional do advogado Shigemori, por sua vez, se explicita nas falas e na perseverança em investigar o caso. Um oculta e o outro desvela, reafirmando a relação complementar que o filme desenvolve até o simbólico diálogo final.
A duplicidade deles, porém, não é feita só de oposições mas também de coincidências. Estas aparecem na distância afetiva que eles têm de suas filhas e no acolhimento que eles dão à filha do empresário assassinado. Ao mencionar os abusos que esta sofria do pai, Kore-eda chama mais uma vez atenção para o problema da desproteção no espaço doméstico e reitera a família e seus distúrbios como o tópico central de sua obra.
Estudar com paciência detetivesca a moral de um crime funciona, portanto, como álibi para o cineasta testar outros caminhos sem se afastar do eixo principal.
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