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Pioneiro da ficção distópica, 'Nós' critica matematização e padronização da vida

Obras do russo Zamiátin influenciou clássicos como 'Admirável Mundo Novo' e '1984'

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O escritor russo Ievguêni Zamiátin, autor de 'Nós' - Reprodução
Henrique Canary

Nós

  • Preço R$ 55 (288 págs.)
  • Autoria Ievguêni Zamiátin
  • Editora 34
  • Tradução Francisco de Araújo

"Nós", do russo Ievguêni Zamiátin, é uma obra pioneira da ficção distópica, e exerceu nítida influência em clássicos do gênero, como "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, e "1984", de George Orwell.

A história se passa por volta do século 30. O mundo foi devastado por uma guerra de 200 anos entre o campo e a cidade, e os sobreviventes vivem agora em uma megalópole de vidro, em apartamentos de paredes translúcidas, sob um regime totalitário denominado "Estado Único".

As pessoas não têm nomes e são identificadas por letras e números, não há individualidade e todos vivem segundo a "Tábua das Horas", regulamento sobre o que fazer em cada minuto do dia: a que horas acordar, quantas vezes mastigar a comida, em que dias da semana fazer sexo etc.

O livro nos apresenta as anotações de D-503, engenheiro responsável pela construção da Integral, nave quase finalizada que terá a missão de levar a outros planetas ensinamentos e o modo de vida do Estado Único.

Ele começa seu diário exaltando a sociedade em que vive, mas logo encontra a misteriosa I-330, membro de uma organização revolucionária secreta que planeja destruir o governo e depor seu líder supremo, o Benfeitor.

D-503 passa a compreender o valor da individualidade e da liberdade e decide colaborar com a causa da revolução.

Parte dos autores interpreta o livro de Zamiátin como uma crítica ao regime soviético. A ideia é tentadora, mas não se sustenta. "Nós" é sim profético do que aconteceu na URSS a partir dos anos 1930. Mas o romance foi escrito em 1920, antes da ascensão de Stálin ao poder, quando a experiência soviética ainda era vista pela intelectualidade russa com esperança e otimismo.

Além disso, deve-se levar em conta o fato de que Zamiátin começou a escrever o livro logo após seu retorno da Inglaterra, onde trabalhou por dois anos como engenheiro e esteve em contato com os métodos fordista e taylorista de organização da indústria.

"Nós" é muito mais uma crítica à matematização e padronização da vida em geral do que uma denúncia deste ou daquele regime político.

A sátira de Zamiátin sobre os excessos do racionalismo iluminista o aproxima de Dostoiévski, que em "Memórias do Subsolo" já havia criticado o "Palácio de Cristal", de Tchernichevski.

Neste início de século 21, quando muitas vezes somos só um número em um algoritmo eletrônico, quando nossa vida privada está exposta nas redes como se vivêssemos em apartamentos de vidro, quando políticos tentam controlar a sexualidade dos cidadãos, a obra de Zamiátin é muito mais do que um exercício de imaginação. É também um alerta.

Henrique Canary é doutorando em literatura e cultura russa pela USP e tradutor
 

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