Descrição de chapéu Flip

Vilma Arêas mistura graça e melancolia em nova obra, 7 anos após último livro

'Um Beijo por Mês' é um livro de gênero difícil de definir; textos misturam contos e memórias

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A escritora Vilma Arêas - Folhapress
São Paulo

Um livro novo de ficção de Vilma Arêas é algo que demora a aparecer. Quando surge, é um volumezinho magricela que nem fica de pé (fisicamente falando, é claro).

Nascida em 1936 em Campos dos Goytacazes (RJ), a escritora e professora emérita de teoria literária da Unicamp agora aparece com um novo lançamento, sete anos depois de ter publicado o último, "Vento Sul". E "Um Beijo por Mês", com suas 99 páginas, não foge à regra.

"A editora [Luna Parque] me convidou, queria um livro de 60 páginas e me deu dois anos. Achei muito pouco tempo", ri a autora.

"Não dá para publicar com pressa. No mundo da mercadoria, tem que ter sempre um produto novo, os editores querem um livro por mês para não sair [de visibilidade]. Uma coisa é casar por amor e outra por dinheiro."

"Um Beijo por Mês" é um livro de gênero difícil de definir: os textos reunidos misturam contos e memórias, mas há também poemas, cartas, diálogos e flertes com o ensaio.

É um livro que mostra uma autora de olhos e ouvidos abertos para o mundo: Arêas encontra no cotidiano a inspiração para suas histórias.

No primeiro conto, "Como se Fosse Eu", por exemplo, um taxista de 80 anos conta à passageira de mesma idade sobre sua viuvez —e começa a cantá-la. Ela, também viúva, não quer namorá-lo, mas concorda com um beijo. A história é autobiográfica, diz a autora.

"Achei que ele tinha corpo confortável, fofinho, me senti inspirada", escreve a narradora, que, ao fim, propõe ao motorista que se deem um beijo daqueles por mês.

O conto já é uma mostra da mistura de graça e melancolia (ou brutalidade) que teremos pela frente --a escritora traz por vezes um senso de humor de gosto amargo.

Um outro texto, por exemplo, começa assim: "Vou te contar uma coisa engraçada. Eu estava pendurado no pau de arara, pronto para ser torturado". Perto do fim, o narrador diz: "Quando [o torturador] voltou esqueceu de me matar. Acho que perdeu a inspiração. Passou o momento".

A política —e um olhar para as injustiças— é um tema constante em vários dos textos. Em um grupo deles, batizado de "instantâneos", a escritora analisa fotografias que saíram nos jornais.

No primeiro, por exemplo, reflete sobre a imagem de um menino de rua dormindo no colo de uma estátua de feições gregas —"Um menino preto, de carne e osso, e uma estátua branca de pedra".

"É uma cena de cortar o coração. Esse livro tem essa tonalidade política mais explícita. Está muito mergulhado na nossa triste história do Brasil. Mas a literatura tem um pé na realidade e outro pé solto, ou ninguém lia mais Cervantes."

Como nos instantâneos, o noticiário também acaba por inspirar contos —um deles, por exemplo, fala de Diva Guimarães, aposentada que comoveu a plateia, na Flip de 2017, ao fazer um relato sobre o racismo.

Os textos reunidos ainda mostram uma escritora que gasta sola de sapato pelas ruas da cidade, atenta a tudo —pedestres, mendigos, motoristas.

"O mundo é impossível sem as pessoas. Às vezes acordo angustiada, calço o tênis e vou tomar café na esquina, falo com a pessoa ao lado. Meu marido dizia que há dois lugares em que o homem é feliz completamente: a cama e a praça pública."

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