Galeria de São Paulo expõe relevos em papel de Ferreira Gullar

Exposição conta com 84 obras feitas em papel pelo poeta em 2014

Isabella Menon
São Paulo

Papéis pendurados nas paredes, cadeiras ocupadas por coisas e mesas cheias de obras. É assim que o apartamento de Ferreira Gullar (1930-2016) em Copacabana é lembrado por aqueles que conviveram com o escritor.


A cristalinidade e o ordenamento intelectual de Gullar não eram notáveis naquele espaço, diz Peter Cohn, dono da Dan Galeria, que exibe, na mostra “Relevos”, 84 obras em papel feitas pelo poeta.


Mas talvez o ambiente fosse propício para provocar o acaso de onde, dizia Gullar, nasciam seus relevos. 
Era, aliás, sua posição com respeito a toda obra de arte, expressa em entrevistas e em vários textos na Ilustrada —o poeta foi colunista do caderno de 2005 até sua morte. 


“Um dia, estava recortando papel verde para fazer uma espiral, mas a folha virou e o outro lado era cinza”, disse Gullar à Folha em 2014.


Para Cohn, porém, não pode ser casual a origem das obras em cartaz desde o dia 9/6. 


“Sua precisão e o padrão utilizado mostram que seu trabalho era muito pensado”, diz.


Leonel Kaz, que assina texto de abertura da mostra, completa: “A ideia precisa e direta é como a escrita de Gullar”.

Kaz é, ao lado de Lucia Bertazzo, editor da UQ Editions, que realiza a mostra com a Dan. Foi uma parceria anterior entre galeria e editora que trouxe a público pela primeira vez os relevos de Gullar. 

 


Em 2014, 60 peças derivadas do conjunto agora exposto foram transpostas para o aço e apresentados no livro “A Revelação do Avesso”.


Cohn vê relação entre os relevos e a obra talvez mais famosa de Gullar, o “Poema Sujo”, de 1976. Como o texto, o trabalho em papel, na visão do galerista, é visceral. “Tão visceral que se abre e expõe.” 


Além disso, ele vê, nas formas retorcidas, semelhanças com a “Unidade Tripartida”(1948/49), de Max Bill. 
A escultura em metal do artista suíço, diz, assim como os relevos de Gullar, “mostra um percurso, que começa e não tem fim”. 


Nas obras de “Relevos”, ficam visíveis imperfeições derivadas do trabalho manual. Para Kaz isso não diminui o resultado obtido por Gullar, que, diz, sempre trabalhou com coerência ética e dignidade e, “nunca tornaria público algo em que não acreditasse”. 


A revelação artística tardia na vida, diz Kaz, não pode ser interpretada como repentina ou oportunista. 
Gullar manteve sempre uma relação com as artes plásticas e foi o responsável pela redação do Manifesto Neoconcreto, que em 1959 lançou o movimento que consagraria Lygia Clark (1920-1988).


Para resumir a trajetória do escritor e artista, Kaz evoca uma frase que o pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973) costumava dizer: “Todo artista só faz uma obra”.


Relevos
Dan Galeria, r. Estados Unidos, 1.638. Até 14/7. Seg. a sex. das 10h às 19h e sáb. das 10h às 13h. Grátis. 

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