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Versão teatral de '1984' borra limite entre real e ficção da distopia de Orwell

Núcleo Experimental estreia peça em diálogo com atuais conflitos sociais e interferência tecnológica

Carmo Dalla Vecchia (O’Brien) e Rodrigo Caetano (Winston Smith) durante ensaio no Sesc Consolação - Lenise Pinheiro/Folhapress
MLB
São Paulo

Quando estreou em Londres há quatro anos, uma adaptação teatral de "1984", romance distópico do britânico George Orwell, estava embebida no caso do WikiLeaks e seus vazamentos de documentos secretos.

Agora, em montagem do Núcleo Experimental de Teatro, que estreia nesta sexta (1º), a história ganha paralelos com casos mais recentes: do fenômeno das fake news ao sistema de crédito social chinês, plano do governo para monitorar e premiar o comportamento de seus cidadãos.

O romance de Orwell, publicado em 1949, acompanha a fictícia sociedade de Oceânia, onde o governo ditatorial do Grande Irmão assumiu o poder, criando um sistema de censura e grande vigilância.

A repressão é tanta que foi estabelecida a novafala, único idioma cujo vocabulário aos poucos diminui, o que minaria a capacidade de pensamento.

Funcionário do Ministério da Verdade, Winston Smith trabalha falsificando registros do passado para recriar a história a favor do governo.

Descrente, ele escreve seus pensamentos num diário, algo então proibido. É então que ele se apaixona por uma empregada do Departamento de Ficção, e eles elaboram uma rebelião contra o sistema.

Laerte Kessimos (esq.), Carmo Dalla Vecchia (centro), Eric Lenate (dir) Bruno Fagundes (na projeção ao fundo) - Lenise Pinheiro/Folhapress

A adaptação inglesa de Duncan MacMillan e Robert Icke, na qual a montagem brasileira se baseia, alterna o ponto de vista do romance, embaralhando as narrativas de realidade, alucinação e memória.

Algo como Nelson Rodrigues faz em "Vestido de Noiva", diz o diretor Zé Henrique de Paula, que conheceu a versão teatral quando morou em Londres, quatro anos atrás.

No palco, quando um grupo lê o diário de Winston, já num futuro 2050, eles surgem como fantasmas, comentando os acontecimentos. É como se tudo fosse um reality show da vida do protagonista —ironicamente, o reality "Big Brother" empresta seu nome do Grande Irmão do romance.

"É uma leitura interessante nesse mundo em que as pessoas transformam cada coisa da vida num acontecimento, num feed", diz o diretor.

Já nas cenas em que Winston (papel de Rodrigo Caetano) é torturado pelo governo, parte da narrativa reproduz o que se passa em sua mente.

"A adaptação joga luz num ponto do romance que tem menos a ver com a distopia. Ela questiona as coisas em que a gente acredita e se hoje é possível crer no que as pessoas dizem", afirma Zé Henrique, que, com sua companhia, costuma se voltar a temas de intolerância e justiça, como a questão LGBT (retratada em "Eu Sei Exatamente como Você se Sente") e o racismo ("Preto no Branco").

Também é ressaltado aqui o conceito de duplipensamento colocado por Orwell no livro: a capacidade de acreditar, ao mesmo tempo, em duas coisas contraditórias.

A encenação segue o contraponto entre real e ilusório. O cenário traz um ambiente realista e frio, num visual que remete à época da Guerra Fria e faz as vezes de repartição pública, cafeteria e biblioteca.

Sobre o espaço, há projeções de video mapping, que ora trazem imagens divulgadas pelo governo, ora criam um respiro com novos ambientes, como uma floresta.

1984

  • Quando Sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 8/7
  • Onde Sesc Consolação - teatro Anchieta, r. Dr. Vila Nova, 245
  • Preço R$ 12 a R$ 40
  • Classificação 14 anos
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