Descrição de chapéu
Artes Cênicas

Elenco excelente marca adaptação de peça de Plínio Marcos sob viés racial

José Fernando Peixoto de Azevedo dirige 'Navalha na Carne Negra'

Raphael Garcia (esq.), Isabel Praxedes (de costas), Lucelia Sergio e Rodrigo dos Santos em 'Navalha na Carne Negra' - Lenise Pinheiro/Folhapress
Paulo Bio Toledo

Navalha na Carne Negra

  • Quando Qui. a sáb., às 21h, dom., às 19h. Até 12/8
  • Onde Tusp, r. Maria Antônia, 294
  • Preço R$ 20
  • Classificação 16 anos

Já no título do espetáculo "Navalha na Carne Negra", de José Fernando Peixoto de Azevedo, fica evidente a abordagem que fundamenta a adaptação atual de uma das peças mais encenadas de Plínio Marcos.

A carne aqui é negra e a montagem lembra logo de cara que o submundo periférico descrito pelo autor não pode ser compreendido sem assinalar a herança de quatro séculos de escravidão presente em tudo o que somos hoje.

A angulação negra traz nova camada histórica para compreender o mecanismo de violência nas margens do país e evidencia muito bem isso ao conjugar duas atitudes estéticas no trabalho de encenação.

Por um lado, o grupo não descarta a estrutura naturalista da peça, mas a explora ao limite ressaltando inclusive os seus entraves. Os diálogos que giram em falso, personagens que querem "ser gente", ou os conflitos que se reproduzem sem perspectiva de superação aparecem como o coração da peça. O impasse paralisante que percorre "Navalha na carne" é compreendido como se fosse o tema capital da obra.

Ao mesmo tempo, o espetáculo também inscreve o texto em um dispositivo cênico de características épicas. A peça montada praticamente na íntegra se desenvolve com diversas interrupções da ação e com a presença ininterrupta de uma cinegrafista em cena —filmando a peça inteira e projetando em duas grandes TVs ao fundo.

A câmera mostra novos ângulos da ação e desfaz o risco de imersão hipnótica no enredo. Também assinala a presença permanente de um olhar crítico e investigativo sobre o que acontece, o que convida a um reexame distanciado de cada cena que assistimos.

A câmera faz ainda um paralelo com a cenografia proposta por Plínio Marcos nas rubricas da peça.

Ela substitui o espelho que deveria existir no sujo quarto de hotel onde tudo acontece. Ao mirarem-se no espelho, as personagens olham para câmera. É como se rompessem o tempo e o espaço de representação e olhassem diretamente para o público. De alguma maneira, esse espelho invertido implica os que assistem na realidade da cena.

Isso ganha impactante dinâmica de funcionamento devido às excelentes atuações de Lucelia Sérgio, Raphael Garcia e Rodrigo dos Santos. Todos recusam o brilho caricatural de representar um tipo marginal (a puta, o cafetão, o homossexual pobre) e buscam objetividade crítica em seus papeis. Atuam em conjunto, com olhos acessos e enorme sensibilidade.

Os procedimentos da encenação somados à concretude da atuação fazem com que a ação específica de "Navalha na Carne" ressoe para além de si mesma. Mais do que quadros de uma distante tragédia periférica, vemos ali uma imagem refletida do que somos enquanto país.

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