Projeto de museu de governos tucanos é interrompido antes da conclusão

Museu da História do Estado de São Paulo teve gastos de R$ 103 milhões, o dobro do orçamento

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São Paulo

Prestes a completar dez anos de aniversário, o projeto do Museu da História do Estado de São Paulo, prometido para 2011 e criado a partir de intervenção robusta no prédio histórico da Casa das Retortas, no Brás, já consumiu o dobro do orçamento previsto e não chegou ao fim.

Com o risco de que permaneça abandonada com a troca de governo, a construção causou não apenas desperdício de verbas públicas mas também a perda —em um período que vai superar uma década— de um lugar que vinha sendo usado para eventos públicos como feiras e festas.

A Casa das Retortas era uma usina de gás construída a partir de modelo industrial britânico do fim do século 19 e fazia parte de um complexo que fornecia energia à cidade. Totalmente desativada nos anos 1970, ela foi depois tombada pelos órgãos de preservação do estado e do município.

O museu começou a ser pensado em 2009, na gestão do tucano José Serra. Depois da renúncia dele, a obra foi anunciada pela pasta da Cultura sob Alberto Goldman, em 2010.

À época, previa-se que seriam gastos R$ 52 milhões. Até agora, as obras já consumiram cerca de R$ 103 milhões. Segundo a própria Secretaria de Estado da Cultura, apenas 65% do projeto foi concluído.

Luciano Amadio, presidente da CVS, construtora responsável pela obra na Casa das Retortas, afirma que o projeto está parado há três anos.

Considerado o risco de que o projeto seja abortado de vez após as eleições e a troca de governo, este será o segundo complexo para a Cultura que os governos tucanos, em suas diversas gestões, suspenderam após gastos vultuosos.

O caso da Casa das Retortas se assemelha ao do Complexo da Luz, com projeto dos arquitetos suíços Herzog e De Meuron —R$ 118 milhões foram consumidos antes da desistência no governo Alckmin.

Luciano Amadio, da CVS, estima que ainda serão necessários entre R$ 40 milhões e R$ 50 milhões para a conclusão dos trabalhos e atribui parte desses gastos à inevitável deterioração dos prédios ao longo da interrupção.

A explicação do governo para o extenso atraso e para o crescimento dos gastos previstos inicialmente é que uma contaminação do terreno por resíduos tóxicos foi descoberta após o início das obras.

Essa contaminação derivou da antiga atividade da Casa das Retortas. Até 2014, foram retirados do subsolo cerca de 2 milhões de litros de óleo. De acordo com Amadio, apenas a descontaminação do terreno consumiu R$ 30 milhões.

Segundo o presidente da construtora, a descontaminação foi concluída há três anos. Amadio diz ainda que a paralisação partiu de uma decisão do ex-governador Geraldo Alckmin, do PSDB, de interromper em 2014 diversas outras obras do estado que não estivessem mais de 70% construídas.

Assessores da Secretaria de Estado da Cultura afirmam que "hoje, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, a Cetesb, qualifica o status da obra como descontaminada, mas considera necessário um acompanhamento".

A pasta informa ainda que nos próximos dias assinará um acordo de cooperação técnica com uma empresa especializada em descontaminação e monitoramento.

Isso seria necessário para elaborar um novo estudo e então lançar um chamamento público para o prosseguimento do projeto. "Portanto o Museu da História de São Paulo continua em pauta", dizem.

O ambicioso projeto criado por José Serra previa a criação de uma arquitetura contemporânea incindindo diretamente no conjunto arquitetônico do século 19, uma construção de tijolos aparentes, com janelões e pé-direito alto.

Combinadas, as construções antigas e novas dariam espaço para exposições relacionadas à história do estado, da era colonial até a industrialização, passando pelo crescimento do setor cafeeiro.

Eram previstos uma biblioteca, uma seção com documentações históricas para consultas públicas, uma livraria e um restaurante. O terreno com todo o conjunto tem 20 mil metros quadrados.

O entrave causado pela paralisação também interferiu em um acordo que havia sido fechado entre o estado e o município, que ainda é proprietário do imóvel tombado.

De acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, o governo depositou em juízo R$ 12 milhões para a compra da Casa das Retortas há nove anos.

"O valor continua em depósito judicial, portanto não foi recebido por nenhum órgão municipal", dizem os assessores de imprensa da pasta.

Em 2009, o imóvel era avaliado em R$ 18 milhões, também segundo a secretaria, e hoje o valor corrigido teria atingido R$ 28 milhões. É possível, portanto, que a diferença de valores seja somada ainda ao custo total do projeto.

Para o arquiteto Pedro Mendes da Rocha, responsável pela criação do projeto do museu, faltaram estudos preliminares e assessoria de um engenheiro "que conhecesse a área e fizesse a investigação, até porque plantas antigas da fábrica mostravam a existência de um tanque enterrado".

Há quatro anos, a Folha entrevistou moradores da região e constatou que o odor de combustível já era sentido muito antes do início da obra do museu. Hoje, da rua da Figueira, que passa ao lado do imóvel, é possível ver que há mato entre as estruturas que já foram construídas.

A paralisação do projeto também traz risco de deterioração do imóvel tombado.

"O uso e a manutenção cotidiana é o que fazem uma conservação adequada. Uma obra paralisada deixa margem a infiltrações, por exemplo, e acelera o processo de deterioração. Tudo fica vulnerável", afirma Mendes da Rocha.

No período em que o imóvel esteve abandonado, segundo observou Amadio, também surgiu na região um foco com grupos que usam crack.

"Durante a obra, roubaram equipamentos e cabeamentos do projeto", diz o engenheiro.

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