Exposição recupera história de prédio demolido de Paulo Mendes da Rocha

'Arquitetura de Exceção' inaugura a Galeria da Cidade, no centro de São Paulo

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Foto mostra o pavilhão de Osaka em construção; é possível ver a cobertura apoiando-se no terreno
Foto da construção do Pavilhão do Brasil na Expo´70 em Osaka, tema da mostra "Arquitetura de Exceção" - Divulgação
São Paulo

Quando chegou ao escritório da centenária construtora em Osaka, o arquiteto encontrou uma mesa para trabalhar e cafezinho. A gentileza dos japoneses servia para mitigar um pouco as tribulações do caminho que levara Paulo Mendes da Rocha até ali.

Em 17 de abril de 1969, o capixaba de 40 anos soube que a equipe dele havia vencido o concurso nacional para o pavilhão brasileiro na Expo’70, na cidade japonesa. Uma semana depois, seria cassado, com outros 65 professores da USP.

O pavilhão e sua odisseia são tema da exposição “Arquitetura de Exceção”, com a qual a Escola da Cidade inaugura neste sábado (27) sua galeria.

 

Dedicada exclusivamente à arquitetura, a Galeria da Cidade se abre no térreo da escola, oferecendo-se à rua General Jardim, no centro de São Paulo, por um pano de vidro de 30 metros de comprimento. 

“Não temos tudo na escola, usamos o entorno; não temos auditório, usamos o da Aliança Francesa, não temos cantina, usamos os bares”, diz Ciro Pirondi, diretor da instituição, contando que a ideia inicial, que não vingou, era alugar um espaço separado. 

Com a reforma, nascerá no futuro também uma livraria —a escola já tem uma editora.

A animação com a abertura não tira de José Paulo Gouvêa, arquiteto e professor da escola que é um dos curadores da mostra, a constatação de uma “infeliz coincidência”. 

Num momento em que o país está “às vésperas de um momento obscuro”, diz, a mostra traz lembranças de um período traumático da República.

Meses antes do concurso para o pavilhão, em 13 de dezembro de 1968, o general Costa e Silva promulgara o AI-5, instrumento que viria a retirar os direitos políticos de Mendes da Rocha e o impediria de dar aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

A cobertura em domos cristalinos do prédio da FAU —projetado pelo também cassado Vilanova Artigas e inaugurado em fevereiro de 1969— foi a inspiração do projeto.

O próprio Mendes da Rocha diria que levou para Osaka “o teto da nossa FAU-USP”. O resto era um grande espaço aberto. Havia um subsolo para exposições e um anexo semienterrado, para o Itamaraty.

Gouvêa vê o desenho como uma resposta à ditadura. “Um edifício aberto, sem portas, convoca à liberdade num momento em que ela não existia.”

Ao mesmo tempo, como destacam em texto os curadores —além de Gouvêa, Alexandre Benoit e Rafael Urano—, a forma passava uma imagem contrária à realidade do país, o que deve ter agradado aos militares, mesmo se eles não tiveram voto na escolha.

Ela se deu em concurso público nacional, com júri civil, graças à pressão do Instituto de Arquitetos do Brasil, ao qual o governo pedira indicações de profissionais capazes.

Entre o edital e o prazo de conclusão, foram 25 dias; chegaram ao IAB 83 anteprojetos. 

“Este é o maior número de concorrentes já apresentado em qualquer concurso desse tipo, no Brasil, e o menor prazo dado aos participantes”, destacava, em maio de 1969, a revista Acrópole n. 361.

A ata do júri ressaltava a “abordagem nitidamente brasileira” e a “poética inconfundível” da ideia campeã. Mas, para Mendes da Rocha, 90, o que mais vale rememorar é a ligação entre Brasil e Japão. No projeto, ela se traduz na figura de um engenheiro nissei.

A aparente singeleza do pavilhão, que some em meio ao clima feérico das fotos da Expo’70, esconde a grande complexidade da estrutura, calculada por Siguer Mitsutani.

O engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP foi o responsável por fazer com que a cobertura parecesse leve e pudesse descansar somente nas colinas construídas pela modificação do terreno e sobre um único pilar.

Após ouvir de Mendes da Rocha, ao telefone, que os engenheiros locais tinham achado um problema, ele pisaria no Japão de seus pais pela primeira vez, para garantir que a estrutura não fosse alterada.

A construtora Fujita, conta Gouvêa, se valeria em muitas ocasiões do know-how adquirido com a experiência.

Nada disso, porém, serviu para evitar a destruição da obra, que existiu de 14 de março a 31 de novembro de 1970. 

Era previsto que todos os pavilhões fossem demolidos, e o terreno virasse um parque, o que de fato ocorreu. O arquiteto conta, porém, ter sido procurado por uma universidade para que o prédio fosse preservado e usado pela escola de música da instituição. 

Mas, lembra Mendes da Rocha, o Brasil disse que não, que “fazia questão de devolver o terreno limpo”. “Foi a grande cassação que sofri”, resume.

 

Sobram poucos registros fotográficos do que foi a aventura do pavilhão de Osaka. A curadoria optou por não privilegiá-los na mostra, deixando as fotos somente numa linha do tempo nas paredes. 

A expografia de Alvaro Razuk coloca em vitrines ao longo do espaço envidraçado os croquis de Mendes da Rocha, ao lado do redesenho do projeto executivo da obra, feito pela equipe da mostra —que contou com fomento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo.

A tentativa, diz Gouvêa, era “trazer o edifício para a realidade, dessacralizá-lo pelos instrumentos com os quais ele foi pensado” —os croquis, os cálculos e uma maquete, feita também para a ocasião.

Completam a exposição os desenhos e manuscritos de Flavio Motta para o que seria exibido no recinto, se o governo não tivesse vetado a proposta do professor de história da arte e estética da FAU-USP.

Em vez de Debret, Portinari e Lygia Clark e registros da descoberta do méson pi feitos pelo físico César Lattes, “redes, rendas”, recorda Mendes da Rocha. “Pintaram uma faixa verde e amarela no chão.”

Gouvêa diz achar que interessava ao governo mostrar um “Brasil potente, industrializado”, com hidrelétricas e lavouras, o milagre econômico escondendo a linha dura.

As fotos que saíram na revista Acrópole retratam o pavilhão em preto e branco, inacabado. As poucas coloridas ficaram com Mendes da Rocha, dadas por alguém.

A história singular do prédio contribui tanto para a escassez do material sobre ele quanto para sua mitificação. A exposição alivia em parte a primeira questão. Quanto à aura, essa deve se intensificar. 
Arquitetura de Exceção 

‘Arquitetura de Exceção – O Pavilhão do Brasil na Expo’70 Osaka’

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