Mostra de Nelson Felix inaugura galeria na Ocupação 9 de Julho

Artista carioca expõe escultura feita com mandacarus e desenhos no espaço Reocupa

João Perassolo
São Paulo

O subsolo de um prédio abandonado, com paredes pichadas, fiação elétrica aparente e problemas de infiltração, abriga agora o mais recente espaço de arte da cidade de São Paulo.

A galeria Reocupa, aberta neste mês, situa-se no saguão do edifício da Ocupação 9 de Julho. Antigo prédio do INSS, a edificação ficou abandonada por três décadas, até ser ocupada pelo Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) em diferentes ocasiões a partir dos anos 1990. A ocupação mais recente data de 2016 e, atualmente, cerca de 450 pessoas moram lá.

Para a abertura da primeira exposição que acontece no local, uma individual do artista carioca Nelson Felix, os moradores ajudaram na adequação do espaço. Ficará por conta deles também o monitoramento das exposições, que devem intercalar nomes mais e menos conhecidos.

A iniciativa da galeria Reocupa veio do coletivo de artistas e ativistas Aparelhamento, junto com a líder do MSTC, Carmen Silva. “Carmen Silva vê na cultura uma forma de não se emparedar, de não se fechar para o mundo externo, e sim um meio para troca e construção coletiva”, afirma Laura Maringoni, do Aparelhamento.

“Esquizofrenia da Forma e do Êxtase”, como se intitula a exposição, consiste de seis trabalhos de Nelson Felix. São desenhos nas paredes e no piso, uma grande fotografia, um mapa trabalhado com folha de ouro e nanquim, e uma escultura pensada especialmente para o lugar.

Composta por estruturas de ferro atravessadas por mandacarus partidos ao meio, o site specific é o grande momento da mostra, ocupando o vão central do espaço. “Fazer escultura é como compor uma canção para a pessoa amada. Esculturas são canções para meu próprio trabalho”, diz Felix, em referência à obra.

“Esquizofrenia da Forma e do Êxtase”, espécie de continuação do trabalho “Cruz na América” (1985-2004), se estende ainda para outros dois espaços da cidade: o prédio da Bienal e a galeria Millan.

No segundo andar do pavilhão da Bienal, o artista colocou uma adaptação dos mandacarus da Reocupa —instalação que desenvolveu a convite da organização da 33ª edição do evento. Na Millan, Felix expõe uma série de desenhos do projeto todo, os quais ele chama de “amálgama” da série.

“Este trabalho é como se fosse uma ópera: são várias árias que se conectam. Eu faço isso com o espaço, vou juntando situações”, afirma. 

Para idealizar o conjunto de obras que agora vem à tona, o artista primeiro viajou a Paris, onde ficou seis meses “pensando e desenhando”. Em seguida, foi para Anchorage, no Alasca, e Ushuaia, na Argentina, pólos do continente americano. Nestes locais, esboçou as esculturas da galeria Reocupa e da Bienal. De volta a São Paulo, o artista materializou os desenhos.

Assim, içou as esculturas na parte externa do edifício da Ocupação 9 de Julho por um período de 24 horas. Durante este tempo, ficou desenhando em diferentes locais dentro da ocupação. O conjunto de desenhos resultantes deste dia está na Millan.

Não é preciso visitar os três lugares para entender o trabalho. Para o artista, “é possível ouvir uma só ária de uma ópera, mas se você ficar e ouvir os três atos, será uma música muito mais interessante, com muito mais consequências e relações”.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.