Descrição de chapéu

Registro do melodrama é insinuado em 'Rasga Coração', mas nunca plenamente assumido

Arte de produzir aproximações paradoxais escapa de Jorge Furtado em seu novo filme

Inácio Araujo
 

Rasga Coração

  • Quando Em cartaz
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Chay Suede, Marco Ricca, Luisa Arraes
  • Direção Jorge Furtado

A arte de Jorge Furtado sempre passou pela capacidade de produzir aproximações paradoxais: a Globo e a ousadia, o atraso e vanguarda, o drama e a comédia.

Essa arte é que parece escapar do diretor gaúcho em “Rasga Coração”. Não é que faltem sugestões de aproximações: lá estão o pai e o filho, o passado e o presente, as ilusões criativas da juventude e o conformismo morno da maturidade. O registro do melodrama é insinuado, mas nunca plenamente assumido.

A ousadia restringe-se ao início, quando a hábil montagem aproxima o velho Custódio do jovem Custódio.

O velho, vamos dizer assim, é uma lamentável figura de ex-militante político, hoje reduzido a burocrata da República. Nesta função ele tenta manter acesa a chama do inconformismo do passado, tempo em que combatia a ditadura e enfrentava a caretice do pai.

Pois bem, Custódio acabou casado com Nena, a rainha das caretas, mulher que compensa o interesse de ser bem pouco conforme aos hábitos femininos de seu tempo (passa a vida arrastando o chinelo e cuidando da casa) com uma chatice insuportável.

Não são necessariamente fracos os personagens chatos. Mas é preciso que os outros personagens, e não o espectador, seja vítima de sua chatice. Nena, no caso, é a anunciadora de outros problemas. O principal: os personagens (com a possível exceção de Luca, o filho do casal) são excessivamente unidimensionais para sustentar o protagonismo num filme de longa metragem.

Com isso, vemos uma série de boas situações serem engolidas por personalidades tão limitadas. Uma delas: o jovem e idealista Custódio larga na cadeia seu amigo negro de subversão, que não recebe a graça do pistolão militar agitado pelo pai.

Vamos a Luca, o filho de Custódio: ele é confuso como qualquer jovem em final de adolescência que não busque se abrigar atrás de uma autoridade. Revolta-se contra o colégio, desgosta-se com o casamento dos pais, adota o vegetarianismo, briga com a família, namora etc.

O filme agita várias questões pertinentes, entre elas a permanência das coisas, seja nas pessoas, seja no próprio país. Se agita abstratamente questões pertinentes (racismo entre outras), tem dificuldade de convertê-las em fatos e personagens concretos e que se conectem.

Talvez se possa pensar que este filme tem uma inequívoca vocação ao melodrama, que por algum motivo não se manifesta. Talvez isso se dê por colocar questões em excesso, em vez de tomar a família como centro efetivo. Talvez seja por um pudor em abordar o tema numa chave de melo rasgado mesmo, à moda mexicana, desses que fazem as pessoas chorarem quando, por exemplo, pai e filho se abraçam. É para onde pendem os personagens, a trama, tudo. E para onde Furtado parece ter se recusado a ir.

“Rasga Coração” não é de modo algum nulo, muitas das virtudes habituais de Furtado estão lá. Mas é um tanto frustrante.

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