Voguing ganha minorias de São Paulo impulsionada pela série 'Pose'

Performance que nasceu no Harlem, nos EUA, inspira novas músicas e programas de televisão

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Grettchen celebra vitória no Voguing Out Festival, em Berlim

Grettchen celebra vitória no Voguing Out Festival, em Berlim Gero Breloer/Associated Press

Karina Sanitá
São Paulo

O público se reúne ao redor do linóleo preto que cobre o chão, simulando uma passarela. Os participantes batalham de dois em dois ao som de batidas que misturam pop, funk e música eletrônica. Homens e mulheres dos mais diversos tamanhos, origens e cores, de salto alto e roupas coladas ao corpo, realizam contorções e saltos que terminam em espacates.

Esse é o voguing, estilo de dança baseado nas poses de modelos para ensaios fotográficos, que tem conquistado espaço e adeptos em São Paulo. 

A performance, que nasceu na cena underground e contribuiu com a construção de redes de apoio para comunidades marginalizadas, voltou a inspirar novas músicas e programas de televisão.

Alguns exemplos são a série “Pose”, disponível na Fox+, o reality “RuPaul’s Drag Race”, disponível na Netflix, e a música recém-lançada da Karol Conká, “Vogue do Gueto”. Assim como aconteceu nos anos 1990 com o lançamento do clipe “Vogue”, de Madonna, e do documentário “Paris Is Burning”, vencedor do Urso de Ouro de 1991, prêmio de maior prestígio do Festival de Berlim, os olhares do grande público se voltam para o estilo.

Em São Paulo, existem novos grupos que se dedicam à dança. Crescem também aulas e oficinas, que ocorrem em espaços como o Centro de Referência da Dança , o CCSP (Centro Cultural São Paulo) e unidades do Sesc.

Uma série de variações e vertentes da performance surgiram desde a sua criação, mas existem algumas características básicas que a definem. 

Os movimentos são executados de forma a criar ângulos e linhas com o corpo, utilizando, além das poses de modelos, referências de figuras egípcias. É o que conta o artista paulistano Félix Pimenta Zion, 29.
Segundo ele, elementos de danças urbanas, especialmente do hip-hop, também compõem o estilo, que inclui giros com finalizações no chão. 

Pimenta diz que o voguing emergiu como performance na década de 1980, no Harlem, bairro de maioria afro-americana de Nova York. Inserido na já existente cena “ballroom”, foi criado pela comunidade queer negra e latina da cidade.

Esses grupos nova-iorquinos passaram a se organizar nas chamadas famílias, que se uniam para proteção mútua e para lutar por direitos básicos, como saúde e moradia. Seus membros assumiam os mesmos sobrenomes, e assim surgiram as “houses”, conta Félix, integrante da House of Zion.

Por não se sentirem representados e acolhidos na maior parte das festas e encontros LGBT, organizam os próprios “balls” (ou bailes), eventos que incluem apresentações artísticas e competições. 

O voguing se torna uma das categorias nessas competições, ao lado de outras como “runway” (melhor caminhada na passarela) e “face” (melhor carão, julgado como se o participante posasse para a capa de uma revista). 

 

“As ‘balls’ são apenas um aspecto, um lugar seguro onde pessoas podem ser quem elas são e explorar o que querem ser”, diz Pimenta.

No Brasil, os primeiros adeptos imitavam as coreografias de Madonna e buscavam informações sobre a modalidade. A própia Madonna bebeu na fonte do Harlem —e traz no clipe dois coreógrafos da pioneira House of Xtravaganza, Jose e Luis.

O videoclipe é de 1990, mas foi apenas nos anos 2000, com o intercâmbio entre praticantes de danças urbanas do Brasil e dos EUA, que o voguing se espalhou.

Nos últimos meses, eventos envolvendo a performance se intensificaram. Muitos deles cumprindo o papel educativo de mostrar história, origens e função social para quem chega a partir dessa nova onda de popularização. 

“Neste ano fizemos uma ‘ball’ em homenagem às travestis, porque a cena voguing foi construída pelas trans e travestis, e muita gente está se esquecendo. Eventos olham o vogue apenas como dança, mas vai muito além. Trata de temáticas internas. De corpos, de gente preta, de unir pessoas, de empoderamento de classes”, diz a atriz, cantora e dançarina Danna Lisboa, 37. Em 2018, ela realizou um baile com tema “Respeita Minha História” no Sesc Santo Amaro.

Entre os eventos que recentemente abriram espaço para a performance está a festa VHS. Popular entre o público LGBT, a balada homenageou a cena “ballroom” em sua edição de novembro. 

No mesmo mês, o Coletivo Amem, ligado às comunidades negra e LGBT, realizou a Ball Afrodiaspórica, evento para a semana da consciência negra. Na festa, batalhas de voguing e de outras modalidades priorizaram temáticas ligadas à cultura africana. 

Para competir, os participantes precisavam estar caracterizados como manda cada categoria criada. Uma delas era a “Vogue  Virgin: Ibejis vs. Erês”. Voltada para iniciantes, exigia que os participantes trouxessem roupas ou maquiagem que fizessem referências a orixás do candomblé.

As batalhas, diz Pimenta, ocorrem entre duplas que se apresentam simultaneamente. Ao final, um painel de jurados decide quem leva o troféu da categoria. Embora não seja comum, alguns desses eventos incluem também premiação em dinheiro.

“A forma como as pessoas se expressavam, mostravam sua história sem falar, só pelo andar, pela dança, na sutileza dos movimentos das mãos... Ali eu senti que fazia parte daquilo”, diz Jessy Velvet Zion, sobre a primeira vez que foi a um “ball”. 

Ela, que é estudante de educação física e professora de voguing, conheceu a cena graças à dança. Os “balls” de São Paulo são divulgadas no grupo Ballroom São Paulo, no Facebook, e são abertas para qualquer um que queira participar.

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