Mostra de discos e K7s constrói sítio arqueológico do punk nacional

Exposição no Sesc Consolação remonta cultura de troca de cartas e fitas que marcou o movimento no fim dos anos 1980

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São Paulo

Talvez a um adolescente do presente soe tão espantoso quanto mirar inscrições pré-históricas em cavernas, mas vá lá: antes da internet, descobrir bandas novas era uma tarefa árdua.

Em especial para quem curtia punk rock nos anos 1980, quando bandas se multiplicaram no rastro da fagulha do “faça você mesmo” acendida no fim da década de 1970.

Para acompanhar a profusão, fãs —muitos já se arriscando na música— escreviam cartas a artistas, publicavam as respostas em fanzines, contrabandeavam publicações e discos e fomentavam uma rede de trocas de fitas K-7 e VHS.

Também teve gente que, naquele meio, aprendeu a fotografar, filmar e desenhar, além de gravar e prensar discos.

E, na esteira da música, disseminaram-se outras culturas: o skate, o vegetarianismo, os direitos das mulheres e dos gays e o straight edge, que defende a abstinência de alimentos de origem animal e de entorpecentes.

Esse “big bang” fomentou o desenvolvimento de uma cena punk no país, de pioneiros como Cólera, Olho Seco e Ratos de Porão —muitos foram reunidos no festival O Começo do Fim do Mundo, em 1982, no Sesc Pompeia.

O evento se ramificou em gerações de bandas punk e hardcore, como Dead Fish e Garage Fuzz, antecipou o modelo independente que marcaria o pós-internet e alimentou a cena riot grrrl nos anos 1990, de bandas como Dominatrix, Pin Ups, The Biggs, Cínica e Anti-Corpos.

Essa força propulsora será lembrada na mostra “Não Temos Condições de Responder a Todos”, a partir desta sexta (25), no Sesc Consolação, em São Paulo, onde fica até 5 de março.

A partir de fitas, discos, pôsteres, adesivos, vídeos, fotos, fanzines e camisetas, o evento ergue uma espécie de sítio arqueológico do punk, na visão do curador Alexandre Cruz.

Conhecido como Sesper (e também como Farofa), ele é artista plástico e vocalista da banda Garage Fuzz, referência nacional do garage punk, uma derivação do punk rock.

“Guardei esse material com cuidado, embora não soubesse muito bem para quê; só de uns anos pra cá tomei consciência de seu valor histórico”, comenta Cruz.

O acervo, ele diz, tem natureza mais próxima de um recorte pessoal do que de um panorama exaustivo. “Foi como eu absorvi aquela música e aquela estética.”

O foco das reminiscências é o punk do fim dos anos 1980, um período pouco pesquisado, segundo Sesper, o que ele credita à ascensão do heavy metal e do rock alternativo que desembocariam no grunge.

Mas a mostra também tangencia reflexos posteriores, como o festival Verdurada, que mantém edições trimestrais desde 1996, casas de shows que abrigaram essa turma, como o Hangar 110, fechado há dois anos, e o Girls Rock Camp, um acampamento de formação musical para garotas organizado por artistas como a guitarrista Flavia Biggs.

Há também contribuições de outros acervos, como edições do zine “Crude Reality”, de Marcilio Lopes, e materiais guardados por expoentes daquela cena, por definição entre a arte e o ativismo, como Alexandre Bonfim, editor do zine “Verbal Threat”, e Billy Argel, guitarrista da Lobotomia e artista que fez capas de discos dos grupos Cólera e Ataque Sonoro.

Sobressaem preciosidades como a carta manuscrita pela cantora e baixista Alexandra Briganti, do grupo Pin Ups, à cantora e guitarrista Kathleen Hanna, do seminal grupo de punk feminista Bikini Kill.

“Wow, Brazil!”, diz o bilhete-resposta que Hanna anexou ao pioneiro LP da banda, dando indícios de que aquele foi o primeiro fonograma do conjunto a chegar ao país.

A mostra inclui instalação com documentários e vídeos da época em VHS que preserva a estética gasta —para otimizar o uso das fitas, até então caras, gravava-se no modo “extended play”, que reduz qualidade e amplia capacidade.

Há também um espaço dedicado ao “Maximum RocknRoll”, um dos maiores fanzines do mundo e que na última semana anunciou o encerramento de sua versão impressa.

Um último atrativo deve concentrar o interesse do público: dispositivos de walkman —versões modernas deles, com entrada para USB— que permitem ouvir fitas trocadas à época e gravar seus conteúdos em pen drives.

Sesper ressalva que a premissa do evento não é a de um revival nostálgico, “do tipo ‘só o que acontecia naquela época é que era bom’”, mas traçar paralelos com a cena musical contemporânea e as novas tecnologias.

Essa ideia se manifesta nos workshops e shows que complementam a programação da mostra.

Silvana Mello, que foi cantora da banda Lava e, depois, integrou uma geração de artistas plásticos saídos daquela cena punk que expuseram na galeria Choque Cultural, vai ministrar oficina sobre customização de acessórios bordados.

O arquiteto Vinicius Patrial, também autor do livro “SK8: Manual do Pequeno Skatista Cidadão” (Companhia das Letras, 2013, 72 págs., R$ 42,90), vai apresentar oficina de produção de camisetas pintadas à mão.

Já o músico e artista plástico Tomas Spicolli vai ensinar alterações gráficas a partir de técnicas como silk screen, pintura e colagem, enquanto Mateus Mondini e Lucas Cabu ensinarão a realizar exposições de artes em espaços independentes —Mondini também tem um importante trabalho de resgate de discos clássicos e inéditos.

Entre os shows, destaque para o trio Fronte Violeta, de Carla Boregas, baixista da banda Rakta, o LoFi Experiments, projeto de Sesper que mescla instrumentos e fitas K-7, e a banda britânica Stupids, que fará show em 1º de março.

Não Temos Condições de Responder a Todos

  • Quando Abertura: sex. (25). Até 5/3. Seg. a sex., das 10h30 às 21h30; sáb. e feriados, das 10h30 às 18h30
  • Onde Sesc Consolação - r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo
  • Preço Grátis, à exceção de alguns shows e oficinas com cobrança de ingressos
  • Classificação Livre

“Não Temos Condições de Responder a Todos” - workshops e shows

Oficina “Camiseta da minha banda favorita”, com Vinicius Patrial: seg. (28) e qua. (30), das 18h30 às 21h30. Oficina “Colagem - Capa de Discos” com Vinicius Patrial: ter. (29) e qui. (31), das 18h30 às 21h30.

Oficina “Cópia Única”, com Bruno Borges e Rafa Jazz: seg. (4/2) a qui. (7/2), das 19h às 21h30; inscrições de 21/1 a 4/2, de R$ 6 a R$ 20.

Intervenção Musical “The Good Loop Project”: qui. (7/2), às 19h.

Bate-papo “A importância das mídias e shows nos anos 1980 e 1990 até os dias atuais”, com Pedro Carvalho, Fabio Bolota, Fabrício de Souza e Cecília Mãe: qui. (7/2), às 19h30.

Oficina “Produção de uma exposição nos moldes faça você mesmo”, com Mateus Mondini e Lucas Cabu: seg. (11/2) a qua. (13/2), das 18h30 às 21h30.

Intervenção Musical: ACruz Sesper: qui. (14/2), às 19h.

Bate-papo “Origem e Integração Artística no Punk Rock”, com Antonio Almeida “Atibaia” e Lucas Cabu: qui. (14/2), às 19h30.

Oficina “Aparelhos de áudio analógico low-fi”, com Maurício Perez: terças, de 12/2 a 26/2, das 19h às 21h30; inscrições de 4/2 a 12/2. 

Oficina “Bottons Bordados”, com Silvana Mello: seg. (18/2) a qua. (20/2), das 18h30 às 21h30.

Intervenção Musical Fronte Violeta: qui. (21/2 ), às 19h.

Bate-papo “A mudança de paradigma com a participação efetiva da mulher no Punk Rock”, com Carla Boregas, Flavia Biggs e Alê Briganti: qui. (21/2 ), às 19h30.

Oficina “Decomposição Gráfica”, com Tomás Spicolli: seg. (25/2) a qua. (27/2), das 18h30 às 21h30.

Intervenção Musical Klute: qui. (28/2), às 19h.

Bate-papo “Fanzines, fitas K7 e vinil - Troca e Intercâmbio”, com Ruy F., Marcílio Dias e Tommy Stupid: qui. (28/2), às 19h30.

Festival “Não Temos Condições de Escutar a Todos”, com as bandas The Stupids, Cankro, Tildaflipers e Angústia: sex. (1º/3), às 18h30, de R$ 9 a R$ 30.

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