Feminista é uma palavra um pouco forte, diz Ludmilla

Após série de hits, cantora se torna a brasileira negra mais seguida no Instagram

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São Paulo e Rio de Janeiro

“É menina da comunidade, batalhadora, e não perdeu a essência; vai longe”, diz o taxista. Ele também é de Duque de Caxias, em cuja periferia cresceu Ludmila Oliveira da Silva, 23.

Foi na cidade da Baixada Fluminense, numa feira que visitava com a mãe, que a carioca descobriu o DVD “Experience”, de Beyoncé. “Fiquei vidrada; como pode cantar, dançar e estar sempre tão linda?.”

Ludmilla traduziu o sonho de ser uma estrela do R&B para a linguagem ao redor: o batidão do funk, com um tempero do samba e do pagode que ouvia em casa e na vizinhança.

Em 2012, aos 16, escreveu “Fala Mal de Mim”, um dos primeiros sucessos, dos versos “Não olha pro lado, quem tá passando é o bonde/ E se ficar de caozada a porrada come”.

Divulgou a canção com o nome MC Beyoncé. O vídeo viralizou e a jovem passou a fazer shows no RJ e em SP —até nove por noite.

Em 2013, estafada e em conflito com o ex-empresário, desistiu da carreira. Mas logo voltou atrás e, desta vez gerenciada por familiares e sob os cuidados da gravadora Warner, assumiu o nome Ludmilla.

Cresceram a quantidade de shows —cerca de 240 ao ano desde então, nas contas do empresário Roberto Salles D’Oliveira, 38, o China, seu tio— e os cachês.

Proliferaram também os negócios. Primeiro veio uma linha de produtos capilares, a Lud Hair Boutique; depois, a Sem Querer Produções Artísticas, para agenciar nomes como MC Mazzoni.

Para a jovem cantora, deu o funk proibidão “Vem Amor, Bate e Não Para”, sobre uma mulher que pede a um homem que a golpeie na cara com o órgão sexual.

“São coisas que não posso mais gravar, porque preciso pensar na minha imagem e nas marcas com quem trabalho”, diz Ludmilla, que também escreveu a canção “Vai Embora”, sucesso na voz de Pabllo Vittar.

Em 2018, inaugurou roda de samba no Jockey Club do Rio e estreou seu bloco Fervo da Lud, com o qual desfila nesta terça (5), no centro da cidade, e após o qual emendará férias.

Em meio a todo o turbilhão, manteve a imagem de garota que subiu sem se esquecer das origens.

Autenticidade ou estratégia? Seja como for, funciona.

Em 2018, a cantora emplacou diversos hits, como “Solta a Batida” e “Jogando Sujo”, além de duetos com artistas de outros gêneros.

Com Ferrugem, registrou “Paciência”. Com Simone e Simaria, “Qualidade de Vida”. Com Felipe Araújo, “Clichê”, tema da novela “O Sétimo Guardião”, da Globo.

Todos os lançamentos de 2018 alçaram o top 50 do Spotify, que liderou com “Din Din Din”, com MC Pupio e MC Doguinha.

As novidades fizeram bombar as métricas virtuais; são 4,4 milhões de fãs no YouTube, onde tem 1 bilhão de visualizações.

Menos do que Anitta (11 milhões de fãs e 3,3 bilhões de views), mais que MC Kevinho (4,3 milhões de inscritos, 287 milhões de views) e Ivete Sangalo (1,6 milhões de fãs, 489 milhões de views).

No fim do ano passado, Ludmilla superou 10 milhões de seguidores no Instagram e se tornou a brasileira negra com mais público naquela rede social. De dezembro para cá, o total saltou para 13,4 milhões.

Agora, chegou a vez de ter seu próprio DVD, gravado em fevereiro, na Jeneusse Arena, e com lançamento previsto para abril.

A Folha presenciou o último ensaio do show. São 24 músicas, nove inéditas, e abundam participações: Ferrugem, Léo Santana, Simone e Simaria, o cantor pop Jão e, claro, Anitta.

“Favela Chegou”, a aguardada primeira parceria das duas, teve um registro publicado há seis dias e já soma quase 10 milhões de visualizações.

O sonho do DVD só virou realidade após muita insistência com a gravadora e os gestores de sua carreira, diz Ludmilla. Daí seu envolvimento em detalhes, como “cada batida, cada saxofone, cada cor da luz em cada música”.

Todo o esforço tem um alvo: mostrar versatilidade e fazer a cantora deixar de ser “apenas” um nome forte do funk carioca. 

“Não tenho como arrastar o dono do Rock in Rio a meu show, mas, com um DVD, posso chegar nele. Quero provar que posso cantar qualquer coisa.”

Como Anitta, Ludmilla almeja a carreira internacional. De olho nos públicos estrangeiros, está estudando inglês, que por ora fala “para se virar”, e, em breve, vai se dedicar ao espanhol.

Como parte da empreitada, deve lançar ainda neste ano a música “Rainha da Favela”, com versões em inglês e em espanhol e a participação de “um grande artista latino-americano” ainda não definido.

Daí o título do DVD: “Hello, Mundo”. Exibi-la ao planeta é a aposta de seu entorno, centrado na mãe, Silvana, e no tio. Sua equipe fixa soma 60 pessoas, do empresário China aos executivos da Warner, passando por imprensa, assistentes, maquiador, estilistas, coreografo, preparador de voz...

Essa trupe superou 350 pessoas no DVD, incluindo banda, DJ, vozes e 19 bailarinos escolhidos entre 700 inscritos e treinados durante um mês.

Além dos dependentes, há os parceiros publicitários: tem contrato com marcas como Puma e faz campanhas com outras, como Ellus, que fez os figurinos de “Hello, Mundo”.

Estar atrelada a grifes compromete o processo criativo? A cantora se sente presa?

“Sim. Depois que caí no mercado publicitário, passei a tomar mais cuidado com as coisas que gosto de fazer e cantar. Me incomoda um pouco, mas é um preço a pagar. Tem um lado bom e um lado ruim.”

O lado positivo, ela diz, é servir de exemplo. Em recente campanha da L’Oréal, divulgou produtos para incentivar mulheres negras a usar os cabelos crespos, sem alisamento.

“Tem meninas de cabelo igual ao meu que eram zoadas na escola, mas agora as mães dizem ‘Olha a Ludmilla’ e elas têm uma resposta na ponta da língua. Chupa!”

O lado ruim, afirma, é ter de se moldar de olho na imagem pública.

A cantora consegue ir ao shopping? “Não.” Jantar num restaurante? “Sim, mas tem que ser num dia muito feliz e paciente, porque sei que vou estar de garfo na boca e 50 pessoas vão querer tirar selfie.”

Relacionar-se também é um desafio para a cantora, atualmente solteira. Nunca usou aplicativos de paquera, mas cogita; a relação mais recente, com o jogador Gabriel Jesus, rendeu manchetes. Tem vontade de ser mãe, mas não logo.

Apesar das proporções industriais de seu negócio, Ludmilla guarda certa espontaneidade que, segundo especialistas ouvidos pela Folha, explica sua crescente popularidade e sua baixa rejeição —menor que a de outras estrelas pop no país.

Nas conversas, pouco esquivou perguntas, mesmo quando sobre temas espinhosos, e não raro usou palavrões, como se falasse com um amigo, ainda que oito profissionais monitorassem atentas cada sílaba das suas respostas.

Vejamos: como ficaram as fotos com a L'Oréal?

“Muito fodas. Quer dizer, muito legais”, corrige-se, às gargalhadas.

Acredita em Deus?

“Sim, mas não tenho religião. Já tentei frequentar igreja, mas tem uma pessoa lá, intermediando, e isso me desmotiva.”

Considera-se feminista?

“Acho essa palavra um pouco forte. Eu me considero uma mulher que luta pelos seus direitos.”

Mas como conciliar a lealdade entre mulheres defendida pelo feminismo com as letras sobre inimigas invejosas?

“Adoraria que essa história de mulheres unidas não ficasse só em post de internet. Mas é hipocrisia dizer que todas se amam. E quando canto que fulana é recalcada, é uma pessoa específica. Não vou passar pano pra mina escrota.”

Mas há machismo? “Claro, o tempo inteiro. Ainda mais comigo, que sou ousada”, e relata um episódio de assédio que sofreu de um dono de uma rádio no Rio. “Sabe velho babão que gosta de ficar alisando?”

A solução nesse e em outros casos é a mesma: confronto. “Não na porrada, mas na lei.”

Foi assim em 2017, quando processou uma mulher que a chamou de “negra safada” em um aeroporto. Em 2016, acionou na Justiça homens que a chamaram de “macaca” na internet.

Já em 2017, quando viajava na primeira classe para a Itália, preferiu silenciar após ser questionada duas vezes pela vizinha de poltrona, branca, se tinha certeza de que seu lugar era ali.

“Achei aquilo horrível, mas pensei: 'É isso aí, a neguinha vai do seu lado, vai ter que lidar'. E o foda é que às vezes é alguém que recebeu herança ou casou com homem rico, nunca nem escorreu um suor.”

Acha que o Brasil é racista?

“O mundo inteiro é racista, mas aqui, meu Deus do céu, estoura a quota. Não sei nem se posso falar essas coisas...”

Ludmilla olha para a assessora de imprensa, mas parece mudar de ideia e, antes que ela intervenha, emenda:

“No Brasil, gostam de tapar o sol com a peneira; não tem nada de boa, não, amor. Quem é negro sabe como funciona.”

O jornalista viajou ao Rio a convite da gravadora Warner.

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