Filmes nascem da vontade de contar histórias, mas também podem brotar de uma imagem significativa, do mistério de uma face ou do estranhamento provocado por um corpo.
O primeiro longa de ficção do egípcio A.B. Shaky é todo construído a partir da figura de Rady Gamal, homem que teve hanseníase na infância e ficou com o físico desfigurado pela doença.
O cineasta conheceu Gamal quando realizou seu primeiro curta, um documentário sobre o destino de internos de um leprosário no interior do Egito.
"Yomeddine - Em Busca de um Lar" o transforma em protagonista de uma história incomum, forte o bastante para distinguir o filme na selva de trabalhos de estreantes.
Não por acaso, ganhou uma visibilidade sonhada pela maioria de diretores jovens e veteranos ao participar da competição oficial de Cannes no ano passado.
Gamal interpreta Beshay, personagem desenvolvido a partir de suas experiências pessoais. Ele viveu desde criança afastado do convívio familiar, foi excluído da sociedade, apagado por causa da aversão que as pessoas sentiam por seu corpo deformado e pelo medo da doença, apesar de estar curado.
"Corra de um leproso como corre de um leão" é um dito popular que ele escuta mais de uma vez quando parte em busca de suas origens e roda pelo interior do país na companhia de Obama, um órfão núbio, meio filho, meio irmão na marginalidade.
O molde narrativo combina o road movie e o "buddy movie". O filme de estrada capta realidades distintas, anexa a variedade humana ao mesmo tempo que faz progredir o senso de aventura. O filme de dupla junta temperamentos para intensificar conflitos ou extrair comicidade.
O longa egípcio também incorpora soluções do "feel good movie" para amenizar o teor de miséria e abandono que cerca as desventuras dos protagonistas. A mistura desses elementos permite ao diretor não ceder à facilidade de explorar a miséria para fazer chantagem emocional.
Embora a pobreza e diversas formas de exclusão se mantenham como ponto principal, a ênfase maior é noutros aspectos da marginalidade, na compaixão e na humanidade como algo que resiste às piores perdas.
Ao contrário do que se espera de um longa-metragem selecionado para o Festival de Cannes, "Yomeddine" não é dessas obras que se impõem por ter um viés autoral, mas por reivindicar a vertente egípcia de cinema popular, marcada por tipos incomuns e histórias exemplares.
A singularidade de Gamal, seu ator-personagem, é que faz sua força.
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