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Cinema

É impossível entender totalmente um filme de Godard, e essa é sua força

Cineasta que sempre atacou novas tendências do cinema faz súmula crítica do século 21 em novo longa

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Cena de 'Imagem e Palavra', de Jean-Luc Godard

Cena de 'Imagem e Palavra', de Jean-Luc Godard Divulgação

Em 1988, o cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard iniciou o projeto mais ambicioso de sua carreira —a série "Histoire(s) de Cinéma", que terminaria apenas em 1998.

Logo, porém, os críticos e historiadores perceberam que todos os seus filmes das últimas três décadas são, em maior ou menor grau, derivados desse projeto. Ou seja, a série nunca terminou.

O que não significa que seu autor esteja se repetindo, ou que permaneça preso ao passado. Pelo contrário. Como uma espécie de Frank Zappa do cinema, Godard sempre procurou criticar cada nova tendência surgida, sempre com espaço para a autocrítica.

Assim, no final dos anos 1960, começou a criticar o cinema militante em sua fase Dziga Vertov —com autocrítica notável, por exemplo, em filmes como "Vento do Leste" (1970) ou "Tudo Vai Bem" (1972).

Na década de 1980, passou a criticar a uniformização do cinema autoral em filmes como "Paixão" (1982), "Carmen de Godard" (1983) ou o incompreendido "Detetive" (1985). Essa crítica específica, aliás, permanece em quase todos os filmes posteriores.

Na fase "Histoire(s) de Cinéma", criticou sua geração em "Nouvelle Vague" (1990); a autobiografia em "JLG por JLG: Autorretrato de Dezembro" (1994); o cinema digital em "Elogio ao Amor" (2001); o 3D, além do cinema contemporâneo, em "Adeus à Linguagem" (2014). O júri do Festival de Cannes não entendeu e o premiou junto com o filme de Xavier Dolan ("Mommy"). Heresia!

E de todos os longas que Godard realizou de 1988 para cá, é "Imagem e Palavra", seu mais recente, aquele que mais retoma, atualiza e critica a antológica série.

A começar pelo formato —mais uma vez temos a colagem de filmes, vídeos, fotografias, pinturas e textos, tudo disposto violentamente, por vezes um elemento sobre o outro, ou mesmo contra o outro; filmes com formatos desrespeitados, músicas entrecortadas e a narração com a voz gutural de Godard.

As palavras surgem com força nesse "livro de imagem", o que é comum nessa fase do diretor. Por vezes não conseguimos compreendê-las. As ideias jorram por elas, que se juntam às imagens numa cacofonia estimulante.

Filme-suicida? Talvez. Godard fala em canção revolucionária e em silêncio. E faz uma súmula crítica do século 21, com suas guerras e a crueldade. Mas para melhor entender nosso século, é necessário voltar ao anterior. E ao cinema que se fez, e aos seus próprios filmes, ressignificando-os dentro da história (do mundo e do cinema).

É impossível entender plenamente um filme de Godard. Essa é sua força, jamais sua fraqueza. Quanto mais nos aproximamos de um entendimento, mais sua obra se torna fugidia, à prova de interpretação definitiva. Os grandes filmes não terminam, permanecem conosco, abrindo-se a novos entendimentos.

O respeito à Hollywood de ontem continua como nos primeiros filmes. O crítico francês Jean Douchet dizia, com razão, que a nouvelle vague iniciou seu caminho na imitação do cinema americano.

Mas o desprezo pela Hollywood dos últimos 40 ou 50 anos também permanece. Há farpas direcionadas a Steven Spielberg, por exemplo, em vários filmes dos anos 1980 em diante.

O amor por livros, carros, política e história também continua. Assim como o desejo de nos lembrar, sempre, dos horrores do mundo. Nosso século tem sido farto nesse sentido.

Imagem e Palavra

  • Classificação 16 anos
  • Produção Suíça/França, 2018
  • Direção Jean-Luc Godard
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