Em SP, taxa de conveniência gerou multas de R$ 2,31 milhões a empresas

Em cinco anos, Procon paulista fez 30 autuações a sites de venda, mas pagamentos não passam de R$ 64 mil

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Público durante show do rapper Khalid, no palco Onix, no festival Lollapalooza, em São Paulo, em 2018 Eduardo Anizelli/Folhapress

São Paulo

​Qual é a explicação para a cobrança da chamada taxa de conveniência, valor acrescido, em televendas e vendas online, a ingressos de espetáculos, shows, cinema, exposições e outros eventos, inclusive esportivos?

Essa questão tem pautado uma longa e acirrada disputa entre as empresas especializadas em vendas de ingressos e órgãos de defesa do consumidor que atuam em todo o país.

Contra as taxas, nos últimos cinco anos —entre 2014 e 2018— o Procon-SP fez 30 autuações a empresas no estado, estabelecendo multas que, somadas, chegam ao valor de R$ 2,31 milhões. 

Como os processos preveem possibilidade de recurso, mais da metade deles ainda está em andamento dentro do próprio órgão estadual; por isso, a soma dos pagamentos de fato efetivados até hoje, relativa a este mesmo período, é de apenas R$ 64 mil. 

O consumidor tem outros atores a seu favor, e a briga ganhou volume recentemente. No início de março, uma decisão da Terceira Turma do STJ julgou, em uma ação da Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul contra o site Ingresso Rápido, que a cobrança da taxa de conveniência era ilegal.

A decisão teve inclusive caráter retroativo de cinco anos. Isso significa que os consumidores que utilizaram o servido neste período teriam direito a pedir ressarcimento dos valores gastos. Coube recurso, e o processo continua no STJ.

A relatora do caso, Nancy Andrighi, afirma no documento que cabe à empresa assumir esses custos da operação. 

“Deve ser reconhecida a abusividade da prática de venda casada imposta ao consumidor em prestação manifestamente desproporcional, devendo ser admitido que a remuneração da recorrida mediante a ‘taxa de conveniência’ deveria ser de responsabilidade das produtoras de espetáculos”, afirmou Andrighi.

Procurada pela Folha, a Ingresso Rápido não respondeu como são calculados os valores das taxas de conveniência. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, ela “está analisando a íntegra da decisão do STJ e vai usar todos os recursos disponíveis na lei para reverter o processo”. 

No entendimento do Procon-SP, “a venda pela internet já oferece uma vantagem para o fornecedor, na medida em que apresenta sua oferta a um universo muito maior de consumidores, torna mais célere e prática a venda e potencializa o aumento de vendas e o lucro”, diz nota de sua assessoria de imprensa. 

O órgão considera ainda que “acrescentar uma segunda vantagem —a cobrança da taxa de conveniência— importaria em ônus desnecessário ao consumidor, caracterizando cobrança abusiva”.

O que acontece, na prática, é que, atualmente, com cerca de 350 empresas atuando no setor (número fornecido pela Abrevin, Associação Brasileira de Empresas de Vendas de Ingressos), os preços e os serviços não seguem um padrão.

Enquanto o Espaço Itaú de Cinema cobra R$ 3 acrescidos ao ingresso de filmes, o festival de música Lollapalooza associa a seus tickets valores entre R$ 80 e R$ 360, fora a taxa de entrega, que é de R$ 24.

Frequentemente, o comprador paga extras mesmo quando recebe o ingresso online para imprimi-lo ou quando o retira na bilheteria.

Diz Mauricio Aires, presidente da Abrevin, que o valor é calculado considerando-se diversos fatores. Entre eles: gastos com tecnologia, segurança e prevenção contra fraudes e com funcionários. 

Ricardo Silva Filho, consultor jurídico da Associação de Defesa dos Consumidores do Rio Grande do Sul, defende, porém, que não há lógica, por exemplo, na diferença discrepante entre preços praticados inclusive por um mesmo evento —é frequente que o preço seja calculado como uma porcentagem do ingresso, como no caso do Lollapalooza.

“E por quê cobrar quatro taxas de conveniência quando efetuo a compra de quatro ingressos, porém em apenas uma transação, utilizando apenas um cartão de crédito, com um envio, com uma emissão?”, ele questiona.

Para Silva, as produtoras também coagem o consumidor a pagar a taxa de conveniência liberando só lotes online na pré-venda. “Quem quer ver o show fica com medo de que o ingresso esgote e acaba pagando para não perder a oportunidade”, diz.

Para ele, quando a produtora escolhe só uma empresa para operar seu serviço de venda, ela deixa de estimular a livre concorrência entre os grupos, obrigando o consumidor a pagar preços arbitrários.

Esse é um dos tópicos da sentença no STJ. Andrighi diz que o código do consumidor o protege “contra métodos comerciais coercitivos”. 

Aos críticos, o presidente da Abrevin diz que é “uma prática do mercado” oferecer a opção de aquisição do ingresso em postos de venda ou nas bilheterias das casas onde os espetáculos são produzidos —nestes casos, sem cobrança de taxa de conveniência. 

Questionado sobre se vê necessidade de uma regulamentação, ele diz que o próprio mercado já o faz. “Garanto que mesmo na ocorrência de pré-venda sempre vai existir opção de venda na bilheteria.”

Para a T4F, produtora do Lollapalooza, esse tipo de cobrança é “prática mundial e opção para o consumidor adquirir seu ingresso com antecedência e sem precisar se deslocar até a bilheteria”, diz por meio de nota. “Trata-se de uma prestação de serviço legal, facultativa e não representa venda casada pois o consumidor não é obrigado a comprar mais de um bilhete ou outro serviço da empresa.” 

A empresa informou por telefone que há apenas um local que não cobra a taxa de conveniência, em São Paulo.

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