Augusto de Campos confronta prisão de Lula e política da direita em mostra

Datadas entre 1965 e 2018, obras refletem descontentamento com 'retrocesso grotesco'

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Obra de Augusto de Campos, 2019
Obra 'Sem Saída', de Augusto de Campos - Divulgação
São Paulo

Preste atenção nas datas das obras mais antiga e mais recente na mostra “Poemas e Contrapoemas”, de Augusto de Campos, na galeria Luciana Brito. Do poema “Luxo” (1965) ao ready-made “Cláusula Pétrea” (2018), vemos um arco entre os períodos em que os militares e a direita se firmaram no poder.

São duas obras que fazem um comentário mais direto sobre o momento político em que foram criadas. A primeira surgiu um ano depois do golpe de 1964, evento que, como disse Campos em um artigo no jornal O Globo, “desarrumou a utopia construtivista”, acirrando o engajamento dos artistas que estudavam a cartilha da Bauhaus. E a segunda, feita no momento em que o ex-presidente Lula era preso, após julgamento em segunda instância, no ano passado.

“A mostra traduz minha insatisfação”, diz o artista. “E envolve uma resposta, desde que fiz questão de lhe dar um matiz político.” A peça “Cláusula Pétrea” não é “nada mais do que” a reprodução do inciso 57 do artigo 5º da Constituição. 

Na visão de Campos, o que se extrai desse trecho da Carta “contradiz a prisão política aplicada ao ex-presidente Lula, já que não foram esgotados os recursos de sua defesa”. 

“A cláusula pétrea, garantia básica do direito individual e da presunção de inocência, virou cláusula de borracha, em julgamento elástico. Tenho a esperança de que o nosso Supremo, que voltará em breve a julgar o tema, desta feita não se dobre a pressões de militares, alienistas e justiceiros.”

Na mostra, Campos também se abre para jornadas mais subjetivas, na iminência do lirismo, como em “Sem Saída”, que sobrepõe, em cores diferentes, frases como “não posso ir mais adiante” e “o caminho é sem saída”. 

“De fato, não é um poema político”, diz. “Mas também não é lírico.” Foi um dos primeiros que o poeta fez com uso do computador. “Meu objetivo era mais do que uma reflexão pessoal. Era desestabilizar o ego poético e apontar para o drama existencial do ser humano, o dilema da vida, o seu labirinto, o seu lugar sem lugar”, sintetiza. 

Porém, talvez, hoje, “ele pudesse ser apreciado até por um viés político, com o Brasil não só sem sair do lugar mas indo para trás, num retrocesso grotesco”, completa.

Fugiria também do engajamento “Occhiocanto”, fotografia ampliada do compositor italiano Giacinto Scelsi, que “não permitia ser fotografado” e que permanece “ignorado no Brasil”. 

“E até esse poema pode ser considerado político, considerando-se o bloqueio de que é vítima a música erudita contemporânea, aqui executada com defasagem de um século.”
 

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