Mostra atualiza o 'olhar amoroso' de Djanira sobre a cultura popular do país

Representação colorida e iconoclasta da vida brasileira marcou obra da modernista agora no Masp

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São Paulo

Ela foi costureira, vendedora ambulante e plantadora de café antes de se tornar uma das principais 
referências pictóricas da segunda fase do modernismo brasileiro. Mais conhecida por sua abordagem da cultura popular, Djanira da Motta e Silva, morta aos 64, há 40 anos, ganha agora uma grande retrospectiva —ou melhor, redescoberta— no Masp.

Ao longo dos últimos anos, os curadores Isabella Rjeille e Rodrigo Moura visitaram a antiga casa onde viveu a pintora em Braz de Pina, na periferia do Rio de Janeiro, e seu arquivo documental, alocado na Funarte. Garimparam trabalhos em coleções públicas —a maior parte no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio— e privadas para retraçar quatro décadas de sua produção e desvendar um pouco melhor os períodos em que ela viveu em Nova York, Salvador e Paraty, no litoral fluminense.

“Djanira dizia que viajar e pintar eram os verbos do destino dela”, resume Rjeille. “E que aprendeu a pintar a partir de ‘uma observação amorosa de todas as coisas’.” É esse olhar que se revela nos detalhes dos tecidos, das cerâmicas de Maragogi, no litoral alagoano, ou dos patinadores de gelo na Manhattan da década de 1940.

“Existe uma mitologia enorme em torno da ida dela a Nova York em 1945”, explica Moura. “Partiu sem passagem de volta e acabou ficando quase dois anos. Fez uma exposição na New School e voltou com muita repercussão.”

Na mostra, desfilam cenas de São João e outras festas populares, retratos do mundo do trabalho —agrícola, artesanal, industrial— e fases mais oníricas. Em todos, existe a busca de certa  brasilidade nativa que pautou boa parte da criação no período e diálogos com nomes como Mário Pedrosa, Milton Dacosta, de quem foi companheira, e Jorge Amado. 

Foi para Amado, justamente, que produziu o mural “Candomblé”, pintado em 1954 para o apartamento do escritor no Rio. Mais impactante, no entanto, é o trabalho com que venceu o polêmico Concurso do Cristo de Cor, organizado por Guerreiro Ramos e pelo Teatro Experimental do Negro em 1955. Nele, um Cristo escravo é açoitado em pleno Pelourinho de Salvador, a igreja ao fundo, numa mistura de cena religiosa e pintura histórica colonial.

“As pessoas ficaram muito incomodadas com essa ideia da reinterpretação étnica de Jesus Cristo. A Djanira cria uma solução totalmente iconoclasta de não só representar o Cristo como uma figura negra, mas como um escravo”, acrescenta Moura. “Qualquer júri minimamente lúcido daria o prêmio a essa pintura.”

O sucesso, no entanto, vai e volta. Longe do diálogo com as vanguardas europeias e da formação acadêmica das “damas” do primeiro modernismo, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, Djanira passou as últimas décadas meio esquecida pela crítica, rotulada como uma pintora folclórica. 

É essa “outra” história da arte moderna brasileira que se conta agora o que faz reviver a sua obra. A mostra, é bom que se lembre, inaugura a programação “Histórias das Mulheres, Histórias Feministas”, eixo temático do Masp em 2019, enfatizando a revisão do cânone histórico.

“Essa agenda de diversidade cultural que existe na pintura da Djanira ajuda a reposicioná-la hoje em dia, claro, mas, se ela não tivesse essa grande pintura, de nada valeria isso”, afirma Moura.

Por falar em agenda, foi Djanira quem na década de 1970, com mais de 60 anos, realizou o projeto ambicioso de retratar a mina do Cauê, na cidade mineira de Itabira, e o impacto para o meio ambiente desta que  seria uma das primeiras zonas de extração da Vale do Rio Doce. Apresentada pela primeira vez em 1976, a série tem uma atualidade que não deixa dúvida que sua obra anda muito viva e reverbera questões brasileiras que estão (ainda?) na ordem do dia.

Djanira da Motta e Silva

  • Quando Ter.: 10h às 19h30. Qua. a dom.: 10h às 17h30. Até 19/5.
  • Onde Masp - av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3149-5959.
  • Preço Ingr.: R$ 40. Ter.: grátis
  • Classificação Livre.
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