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Primeira montagem brasileira de 'Billy Elliot' reforça o tom político da trama

Nova versão do musical investe em coreografia vigorosa, com momentos de êxtase

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Montagem brasileira do musical

Montagem brasileira do musical "Billy Elliot", com Pedro Sousa como Billy João Caldas/Divulgação

São Paulo

Uma camada de rocha escura e áspera cobre as laterais e o fundo do palco. O pretume, de aparência um tanto opressiva, guarda dois extremos de uma mesma história.

De um lado, a greve de mineiros que estremeceu a Inglaterra de 1984 a 1985. Os operários protestavam contra o fechamento de minas de carvão durante o governo de Margaret Thatcher, política que simbolizou um movimento de desindustrialização e privatização do país.

Do outro, a história de um garoto, filho dessa mesma classe operária, que descobre um talento —não muito bem compreendido— para o balé.

Adaptada ao teatro há 14 anos, a trama de "Billy Elliot", filme do diretor Stephen Daldry e do roteirista Lee Hall, ressalta, no palco, os dois mundos do garoto, com coreografias que costuram o dia a dia dos mineiros, trazendo suas picaretas e rostos sujos de carvão, e o balançar de tutus das aulas de dança.

E é justamente essa mescla que dá o tom da primeira montagem brasileira do musical, autorizado a captar R$ 16,5 milhões via Lei Rouanet

Quase tudo replica o original londrino. Do texto (adaptado ao teatro pelo próprio Hall e agora traduzido ao português) às músicas criadas por Elton John e à coreografia intrincada de Peter Darling.

Mas o cenário, menos realista que o original, busca a angústia do universo de Billy, diz o americano John Stefaniuk, que dirige a montagem daqui.

"Achei que era importante sentir como é a vida numa mina. Queria uma coisa mais abstrata, que mostrasse a opressão daquele carvão. Não importa para onde você olha nessa cidade, a mina de carvão está em todo lugar. E, de certo modo, é sufocante."

Billy vive numa casa simples com o pai, o irmão mais velho, ambos mineiros, e a avó. A mãe morreu há alguns anos, e a família parece ainda não ter superado o trauma.

É por acaso, depois de uma aula de boxe —para o qual o menino definitivamente não tem jeito-- que ele experimenta uns passos e chama a atenção da professora de dança. Mas esconde o talento da família, que não vê com bons olhos um garoto fazendo balé —ainda que Billy não seja gay.

"Eu, quando tinha a idade do Billy [11 anos], queria fazer balé. Mas eu estava no interior do Rio Grande do Sul, numa realidade que me impedia de fazer isso", compara Carmo Dalla Vecchia, que interpreta o pai do garoto. "Eu tive que fazer judô. Nem passava pela minha cabeça poder pedir isso [fazer balé] aos meus pais."

De certa forma, diz o produtor Carlos Cavalcanti, a peça "dialoga com este momento de conservadorismo e intolerância que estamos vivendo".

Mas Billy, como ele próprio define, tem uma eletricidade dentro do corpo que o compele a dançar. "É isso que o liberta desse mundo sem futuro das minas", afirma Stefaniuk.

A coreografia de Darling, que expandiu em muito o universo de passos do filme, tornou-se uma das marcas do espetáculo, vencedor de dez prêmios Tony. Há muito de balé clássico, mas também sapateado, dança contemporânea e acrobacias. Billy quase não sai do palco e "não para de se mexer", comenta o diretor.

Aqui, os três atores que interpretam o protagonista —por serem crianças, eles se revezam nas sessões— têm trajetória semelhante à do personagem. Vêm de berço modesto e não tinham experiência profissional. Passaram por uma seleção de quase mil garotos para chegar ao papel.

Tiago Fernandes, 12, tinha experiência com música, cantando e tocando em sua igreja, e fazia aulas de balé. Tentou o papel por indicação de sua professora, mas precisou aprender, no processo do espetáculo, os passos do sapateado e as manhas da atuação.

Aos 14, Richard Marques já conta três anos na escola de dança do Theatro Municipal de São Paulo. Aprendeu as músicas no trajeto de 45 minutos de ônibus que faz sozinho de casa ao teatro —como a mãe não tem condições de levá-lo, ela foi lhe ensinando os trajetos, desde os 11 anos.

Já o caçula, Pedro Sousa, de dez anos, veio do Rio de Janeiro, também incentivado pela professora e pelas rifas que a mãe faz para custear viagens.

"Eles são talentosos, mas tentamos deixar um pouco dessa crueza", diz Stefaniuk. "Mostrar que são garotos."

"Se você se depara com uma criança que tem essa força natural dentro dela, isso já dá o tom do personagem", diz a britânica Nikki Belsher, que trabalha com Darling e coordena ao lado de Barnaby Meredith ​as coreografias da produção nacional. "Mesmo que ela não seja muito boa na técnica, com essa energia interna ela não pode ser ignorada."

Billy Elliot

  • Quando Sex., às 20h30, sáb., às 15h e às 20h, dom., às 14h e às 18h30. De 15/3 a 30/6
  • Onde Teatro Alfa - r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, São Paulo
  • Preço Ingr.: R$ 75 a R$ 310
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