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Cinema

Torturador choca pela frieza em 'Pastor Cláudio', mas falta didatismo ao relato

Documentário coloca frente a frente ex-delegado da ditadura e ativista dos direitos humanos

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Pastor Claudio

  • Classificação 12 anos
  • Elenco Cláudio Guerra, Eduardo Passos
  • Produção Brasil, 2017
  • Direção Beth Formaggini

A primeira citação bibliográfica ao final de “Pastor Cláudio” é o livro sobre o julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém, em que Hannah Arendt cria sua famosa expressão “a banalidade do mal”.

A menção é perfeita, pois assistir ao depoimento do ex-delegado Cláudio Guerra ao militante de direitos humanos Eduardo Passos é ver uma versão nacional da frieza com que os funcionários do nazismo cumpriam suas ordens de extermínio judeu, descrita por Arendt em sua obra de 1963.

Pausadamente, Cláudio, que se declara hoje um pastor arrependido, explica como buscava em quartéis sacos pretos com corpos dentro e os levava para serem incinerados num engenho em Campos (RJ) –não sem antes dar uma olhadinha nos cadáveres, apenas por curiosidade. 

Relembra o dia em que deu um tiro de misericórdia num militante do PCB que agonizava, e chega a encenar a maneira como fez o disparo, a pedido do entrevistador. Descreve ainda reuniões da cúpula da repressão em um restaurante popular do Rio e numa sauna, para decidir os próximos alvos. “Eram como reuniões de negócios”, afirma.

Diz, enfim, que “sua bandeira era cumprir ordens”. “Eu era uma mula, eu não tinha visão”, explica, reforçando a banalidade de seus atos.

O grande valor do filme é mostrar a engrenagem da repressão por dentro e como a ditadura se baseou em algumas dezenas de figuras assemelhadas a Cláudio para prender, torturar e matar.

Faz falta, contudo, um certo apuro e muito didatismo ao tratar depoimento tão impressionante. Para começar, muito do que Cláudio diz não é exatamente novo. Ele já havia revelado suas atividades à Comissão Nacional da Verdade e em um livro que publicou (“Memorias de uma Guerra Suja", de 2012).

Mais importante, falta contexto básico em diversas passagens. Nomes e referências vão voando da boca do personagem sem explicação. Quando ele conta que recebia de seus superiores no regime pagamento pelos serviços com identidade falsa, revela que havia anuência do dono do Banco Mercantil de São Paulo, um certo “Gastão”. Trata-se do banqueiro Gastão Vidigal, morto em 2001.

Ao relatar o atentado que matou a estilista Zuzu Angel no Rio, em 1976, fala-se apenas que ela foi eliminada porque causava muitos problemas ao regime. Nenhuma explicação é dada de que ela liderava uma cruzada pelo esclarecimento do assassinato do filho, Stuart Angel. 

Em outro trecho, Cláudio diz que buscava corpos “na Barão de Mesquita”. E ficamos sem saber onde é isso e o que funcionava lá. Há vários outros exemplos.

Mas o pior é o final, em que o filme derrapa feio. Cláudio gasta longos minutos narrando uma bizarra conspiração das elites brasileiras, com a maçonaria à frente, que teria levado à sua exclusão de um certo “círculo do poder” após o fim da ditadura. 

Uma limada nesse trecho final teria sido providencial, até para não tirar o impacto das chocantes revelações do personagem-título.

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