A moda hoje no país é uma bolha maniqueísta. De um lado há quem defenda o espírito nacionalista do país tropical abençoado por Deus e, do outro, quem adere ao tom documental e emula as agressões sofridas por minorias. Tudo, claro, depende de para quem cada marca fala.
No terceiro dia da São Paulo Fashion Week, ambos os lados mostraram o rosto e a estampa que os define em um espaço de tempo de poucas horas. Ainda no almoço, Patricia Bonaldi serviu drinques gelados de frutas tropicais para mostrar a versão internacional do Brasil que a Europa e os Estados Unidos consomem.
A infusão de morango com espumante combinava com a moda praia estampada com araras e folhagens tropicais, pedaços chiques e carregados de simbolismo ufanista, que contrapõem um país em frangalhos que nenhuma vitrine lá de fora precisa saber que existe.
Enquanto consegue vender um Brasil adaptado para o “american way of life”, borda o melhor que o país pode oferecer para manter vivo a herança manual —o “craftsmanship” que as grandes cidades da moda procuram reproduzir e os brasileiros ainda tacham de “coisa pobre”.
O feito de Bonaldi nessa bolha talvez seja ter convencido garotas abastadas e blogueiras de moda que o Brasil pode ser tão ou mais “cool” do que a última coleção da Gucci. Uma imagem que por muito tempo João Pimenta costurou em coleções e, agora, mandou às favas.
Se durante anos ele estudou a monarquia, as manifestações populares e a costura dos vaqueiros, padres e outros personagens da formação básica da cultura brasileira, serviu aos convidados de seu desfile carne vermelha mal passada.
No caso, a dos torturados pela repressão militar, a dos indígenas expulsos de seu território e a dos homossexuais colocados em sacos plásticos para sufocar até a morte.
O militarismo norteia toda a coleção, mas aparece romantizado. Capas bordadas como resquícios da monarquia decadente se misturam ao uniforme feminino desconstruído em fitas de lingerie e vestidos para corpos masculinos e femininos, uma divisão que muitos clientes de Pimenta não seguem à risca.
Tanto um quanto o outro, no final das contas, criam uniformes. Não há melhor ou pior, apenas visões de mundo díspares de ideias polarizadas e cada vez mais à mostra.
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