Diretora Christiane Jatahy busca paralelos entre Homero e índios

Encenadora foi ao Pará se encontrar com kayapós para montar 'O Agora que Demora'

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São Paulo

Em Las Casas, aldeia indígena ao sul do Pará, a diretora Christiane Jatahy foi buscar resquícios da “Odisseia” de Homero. Mais especificamente, do trecho final da epopeia, quando o protagonista Ulisses retorna a Ítaca, sua terra, após uma travessia que levou dez anos.

O Brasil, afinal, é a Ítaca da carioca Jatahy, que vem percorrendo o mundo desde o ano passado para criar “O Agora que Demora”, segunda parte do projeto “Nossa Odisseia”, que no ano passado deu origem ao espetáculo “Ítaca”.

Para a nova montagem, que estreia em maio no Sesc Pinheiros e é uma coprodução do Sesc São Paulo, do Teatro Nacional de Bruxelas e de outras instituições europeias, a diretora passou por Palestina, Líbano, Grécia e África do Sul, acompanhada de sua equipe –o cenógrafo e iluminador Thomas Walgrave, o fotógrafo Paulo Camacho e o produtor Henrique Mariano.

Christiane Jatahy, diretora de "O agora que Demora", no Sesc Pinheiros
Christiane Jatahy, diretora de "O agora que Demora", no Sesc Pinheiros - Lenise Pinheiro/Folhapress

Em cada local, filmava com atores e não atores refugiados, mesclando suas histórias pessoais à ficção da “Odisseia”. Em Las Casas, passou quase uma semana na companhia de índios kayapós. Não são refugiados como aqueles que encontrou nas outras viagens, mas sua realidade está permeada pela disputa de terras, pela questão da identidade cultural.

“No caso dos índios na Amazônia, há essa ideia de que a sua casa está aqui, mas você vai perdendo o direito a ela”, diz Jatahy. “Sua casa não é só o lugar, é sua história, sua cultura, seu direito, seu país. A Amazônia é para falar sobre isso, na figura dos índios, mas é uma coisa que se amplifica para todos nós brasileiros. Chegar a Ítaca, ao Brasil, significava se defrontar com o que estava acontecendo aqui, defrontar-se com o país, nesse constante esfacelamento político e social que estamos vivendo.”

Na sua mescla de ficção e realidade, a diretora faz um paralelo entre a parte final da “Odisseia” e a realidade do povoado de Las Casas. Há na trama de Homero uma profecia que o protagonista Ulisses precisa seguir, de encontrar homens que nunca viram o mar, assim como os kayapós. Seus mitos indígenas por vezes relacionavam à mitologia grega se reconheciam no lado guerreiro de Ulisses.

Mas ali Jatahy buscou outro lado da “Odisseia”. Há a travessia física do protagonista para voltar à sua terra, mas também uma busca interna, de autoconhecimento e de reconexão com as suas raízes.

“As mulheres [da tribo], por exemplo não falam. Entendem, mas não falam. Porque elas são a preservação da língua, são a base da sociedade”, conta a diretora, que com a sua equipe fez uma oficina de cinema na aldeia.

“Não é que eles querem ser como os brancos, que é um discurso que a gente escuta muito. Eles querem usar a tecnologia para preservar suas tradições. A questão deles é: os mais velhos estão morrendo e a gente precisa manter esses costumes, a medicina deles, as músicas, as danças.”

A ida ao sul do Pará não foi ao acaso. Jatahy também estava em busca de sua história. Seu avô paterno morreu num acidente de avião, um voo comercial que caiu na floresta próximo dali em 1952. Os corpos foram encontrados, mas nunca o dele.

Foi só mais velha que a diretora veio a conhecer o pai, que por sua vez mal conheceu o seu próprio pai. “Eu fui também entender esse passado, esse passado que também tem a ver com o abandono das famílias. Uma coisa importante do projeto é que não é para criar diferença, é para criar proximidade. Quando eu vejo centenas de crianças sendo criadas em campos de refugiados sem pais, e sem paz, não pode haver um distanciamento entre a gente, é mesmo sobre isso estar aqui e agora.”

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