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Rosa Montero investiga a morte com leveza em livro sobre Marie Curie

O efeito vivificante ressuscita a cientista da sisudez daqueles seus retratos

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A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver

  • Preço R$ 54,90 (208 págs.)
  • Autoria Rosa Montero
  • Editora Todavia
  • Tradutora Mariana Sanchez

Talvez para superar o formato antiquado das biografias —cuja linearidade calcada na sequência nascimento, vida e morte contrasta com a percepção caótica que temos da realidade da existência—, tem se tornado frequente uma nova solução narrativa que absorva a compreensão científica do tempo como o conhecemos hoje, não linear e simultâneo.

É a própria escritora espanhola Rosa Montero quem nos fornece a chave em seu notável último livro: “A questão, afinal, é a distância: poder analisar a própria vida como se estivesse falando da vida de outro.”

Essa solução, habitualmente englobada pelo termo mais generalizante “não ficção”, surgiu por mãos de autores tão distintos quanto Joseph Mitchell, Rodolfo Walsh ou Truman Capote, e tem encontrado exemplos em livros recentes de Emmanuel Carrère, Javier Cercas e Patrick Deville.

Lembra a definição do escritor alemão W. G. Sebald, ao defender que a cronologia é uma solução completamente artificial, sendo determinada pela emoção: “a contiguidade sugere camadas de coisas, com o passado e o presente coexistindo de alguma forma”.

Retrato sem data da cientista Marie Curie
Retrato sem data da cientista Marie Curie - Twitter/Reprodução

É o que faz Montero em “A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver”, ao recuperar a viuvez de Marie Curie (1867-1934), a impressionante física e química nascida na Polônia, primeira mulher a ganhar o Nobel e também a única pessoa a ganhá-lo em duas diferentes áreas, através do diário escrito pela cientista após a morte de seu marido, Pierre Curie (1859-1906).

Ao espelhar sua própria perda na de Curie, Montero, que perdeu para o câncer seu companheiro de 21 anos, o jornalista Pablo Lizcano, inventa uma linguagem muito particular, explorando questões tão graves quanto a morte e o luto com contrastante leveza, sem nunca deixar de ser comovente.

O efeito vivificante é tamanho a ponto de ressuscitar Madame Curie da sisudez característica daqueles seus retratos que ilustram livros de história e enciclopédias. Ao alinhavar fatos da vida da cientista com suas próprias mazelas íntimas, afinal “coincidências coincidem” (como afirmou o biólogo Paul Kammerer), a emoção da autora conduz as lembranças de instantes trágicos e luminosos que, reunidos, recuperam tanto o cotidiano de Marie com Pierre quanto o de Rosa e Pablo, estabelecendo sua cronologia íntima até o invariável final, simples assim, pois “exceto nas óperas e nos melodramas”, a morte é sempre anticlimática.

Ao aplicar o princípio da incerteza de Heisenberg à narrativa, modificando um fenômeno simplesmente por observá-lo, Rosa Montero torna um pouquinho mais compreensível o mistério da vida.

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