Eterna primeira bailarina do Municipal do Rio de Janeiro, Ana Botafogo revelou seu talento ao Brasil em turnês com sua primeira companhia, o Balé Teatro Guaíra, o BTG, de Curitiba. Foi onde se profissionalizou, primeiro como “Giselle”, depois em clássicos como “Don Quixote”.
Terceira companhia mais antiga do país, o Guaíra tem motivos para celebrar seus 50 anos para além das grandes figuras que passaram por seus camarins. A sobrevivência de companhias públicas fora do eixo Rio-São Paulo (e mesmo dentro dele) é tarefa árdua e são poucas no país que conseguem, podendo ser citados o Balé do Teatro Castro Alves (Salvador), o Balé de Minas, a Cia. de Ballet de Niterói e o Corpo de Dança do Amazonas.
O aniversário do BTG é celebrado com uma mostra de repertório, em Curitiba, de 3 a 12 de maio. Atualmente com 23 bailarinos, o grupo oficial do estado do Paraná considera superada sua maior crise, iniciada em 2015 com o corte de verbas e seguida por um questionamento judicial que levou à demissão de todo seu corpo de baile, em 2017, e à paralisação das atividades por seis meses, até a contratação de novos profissionais. O mesmo ocorreu com a orquestra sinfônica do estado.
Se começou bastante tradicional, em 1969, o Balé Guaíra soube absorver os novos tempos ao longo das décadas de 1980 e 1990, quando apresentou ao país montagens inovadoras.
“Foi uma época de grandes criações e eles viajaram muito”, relembra Ana Botafogo.
Entre as 150 coreografias criadas ou adaptadas com muito suor, “O Grande Circo Místico” (1983) é icônica, tanto pela dupla criadora, Edu Lobo e Chico Buarque, quanto pela coreografia de Carlos Trincheiras. Foram 200 apresentações no Brasil e no exterior, incluindo um Maracanãzinho lotado. Foi na plateia de uma dessas apresentações que Clarissa Cappellari, 34, na época com 6 anos, decidiu estudar balé e hoje integra o corpo de baile que tanto a impressionou.
Em sua história, o BTG conta ainda com momentos de grande inovação técnica para o balé brasileiro, como em "O Segundo Sopro" (1999), conhecido como “balé das águas”. Foi a primeira vez que se fez chover num palco no Brasil, graças a uma tecnologia própria da equipe técnica do Guaíra que possibilita a formação de um espelho d'água no palco e o surpreendente deslizamento dos bailarinos.
A partir de 2008, com apoio do coreógrafo paulista Luiz Fernando Bongiovanni, o grupo aposta em releituras de clássicos como “Romeu e Julieta”, “Carmen”, "Cinderela" e “O Lago dos Cisnes”, capazes de levar a linguagem do balé para mais perto do público, inclusive em turnês pelo Nordeste e apresentações de rua.
Em Curitiba, a resposta da sociedade tem sido ingressos esgotados e sessões extra. “É uma companhia pública, com dinheiro público, então trazer as pessoas ao teatro é uma estratégia fundamental”, diz Samuel Medeiros Kavalerski, 36, que dá aulas e coreografa em São Paulo, para companhias como o Balé da Cidade de SP. Ele começou no BTG, aos 17 anos (ficou de 1999 a 2005), e conta que sua formação se deu ali pela experiência dos integrantes. “A gente aprende vendo alguém bom dançar, não tem outro jeito”. Para ele, o trabalho de qualidade se dá no longo prazo, pela construção de repertório da companhia, e isso só é possível em grupos estáveis como o Guaíra.
Iracity Cardoso, que dirigiu o Balé da Cidade e a São Paulo Companhia de Dança, além de codirigir os balés de Genebra e Gulbenkian, acompanha o Guaíra desde seu início e comemora o ressurgimento, que ela atribui a uma nova mentalidade de direção e atualização do olhar.
“Quando a crise se abateu sobre a companhia, me fechei na minha sala e estudei possibilidades”, relembra a diretora do BTG desde 2012, Cintia Napoli. Agora, ela sonha com melhores condições de trabalho, como plano de saúde e fisioterapeuta para os bailarinos.
“A gente está sempre correndo o risco de que acabem as companhias públicas de dança”, disse Iracity. “O meu bravo a todos que estão lutando dentro delas.”
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