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Betty Milan discute a memória em romance sobre a imigração

Escritora lança 'Baal', livro sobre homem que trocou Oriente Médio pelo Brasil

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São Paulo

"Amrika, vai. Você não está mais em segurança", diz Laila ao sobrinho, que titubeia em deixar a aldeia onde a família vive. Omar mora num país indeterminado do Oriente Médio na segunda metade do século 19.

Preocupada, tia Laila continua: "Não corra mais risco neste país que a religião dividiu e o diabo tomou. Vai!".

Depois de uma viagem de 34 dias em um navio imundo, tomado por ratos, Omar chega a Amrika —no caso, o Brasil. A crueldade com a qual os escravos são tratados deixa o imigrante perplexo, assim como o desperdício de comida. Surpreende-se com a exuberância da vegetação, especialmente as bromélias.

Omar troca a civilização do trigo pela alimentação baseada no milho. Mas mantém outros costumes, como a dedicação ao comércio. Depois de aprender o bê-á-bá da arte de negociar em sua aldeia natal, ele se aperfeiçoa sob a orientação de Saad, seu patrão na nova terra.

"Orgulho ferido não é para mascate. Se a mulher diz não, você diz sim e vai devagarinho. Do contrário, não vende nada. O total você só fala quando o comprador já se encantou", aconselha Saad.

Omar se instala numa cidade em expansão —o lugar não é nomeado, mas se supõe que seja São Paulo. Aprende a falar português e mascateia país afora. Aos poucos, prospera.

É essa saga ficcional, inspirada em algumas passagens biográficas, que a escritora e psicanalista Betty Milan narra em "Baal - Um Romance da Imigração", cujo lançamento acontece nesta terça-feira (18) em São Paulo.

Não é a primeira vez que a autora paulista dá à diáspora posição central em uma trama. Ela já havia abordado o tema no romance "O Papagaio e o Doutor", cuja primeira versão saiu em 1991 e a definitiva em 1998.

Entre seus mais de 20 livros, estão "Paris Não Acaba Nunca" (1996), reunião de crônicas, "Carta ao Filho" (2013), de tom biográfico, e o romance "A Mãe Eterna" (2016).

Nenhuma das obras anteriores lhe rendeu tantas horas de trabalho quanto "Baal". Logo no início da preparação do romance, ela disse ao amigo e crítico literário Roberto Schwarz que pretendia utilizar um narrador que já tivesse morrido. Schwarz a alertou que o recurso tornaria mais complicada a construção da narrativa. Mesmo sabendo que ele estava certo, ela insistiu.

Foram quatro anos entre pesquisas e escrita para o livro, que teve 25 versões.

Milan conta que dois motivos a levaram à opção pelo defundo-autor, como Machado de Assis fez em em "Memórias Póstumas de Brás Cubas".

Ela pretendia abarcar o período de um século, que vai aproximadamente de 1860 a 1960, missão que se tornaria viável com um narrador morto. Além disso, diz, "não queria um narrador onisciente, e sim uma primeira pessoa profundamente identificada com a história que está contando".

No livro, Omar descreve seu estado singular. "Sou um morto que não descansa em paz por causa dos vivos e o meu poder é só o de rememorar."

Segundo Milan, "Baal" é "mais do que um romance sobre a imigração, é um romance sobre a nossa relação com a memória". "O que seria de nós sem a memória?"

Algumas reminiscências de Omar se confundem com o passado do ramo materno da família da autora. Assim como o personagem principal do livro, o bisavô libanês de Milan iniciou a construção de um palacete em São Paulo, com todos os requintes possíveis.

É frequente que as memórias conduzam a uma edulcoração do passado, armadilha da qual "Baal" escapa. A saga desse imigrante é feita de persistência, mas também de lances de ostentação e intolerância.

O título do livro se apoia nessa ambivalência. "Baal", o nome do palacete, remete ainda à religiosidade nas antigas culturas aramaica e fenícia. Grosso modo, a divindade está associada à fertilidade e também à destruição.

As ruínas da memória, aliás, motivam o próximo projeto de Milan. Ela começa a criar um romance baseado no incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Baal - Um Romance da Imigração

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