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Clássicos somem do cardápio com fim de locadoras e crescimento do streaming

Cinéfilos vasculham lojas e confins da internet em busca de longas antigos

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Ilustração La Dolce Vita
Fotomontagem com cena de ‘A Doce Vida’, de Federico Fellini  - Jairo Malta
São Paulo

Martim Ancona tem 25 anos e assistiu a um único filme do diretor italiano Federico Fellini, um dos mais importantes na formação de qualquer cinéfilo, autor de clássicos como “8 1/2”, de 1963, “Amarcord”, de 1973, e “E La Nave Va”, de 1983. Ancona viu uma de suas obras essenciais, “A Doce Vida”, para um trabalho de faculdade.

“Procurei muito, não achava em lugar nenhum, acabei vendo no YouTube, em italiano, com legendas em espanhol. Deu pra entender, mas com certeza perdi alguma coisa.”

Quando um filme antigo chama a sua atenção, ele procura em plataformas de streaming como Netflix e Now. Se não encontrar, pede a algum amigo que baixe. “Em último caso vou ao YouTube mesmo, que lá tem tudo, mesmo que capenga.”

Com o fim das locadoras e o surgimento do streaming, muitos filmes clássicos ou cult sumiram do mercado. E, se estão disponíveis, ficam tão escondidos que quem poderia se interessar por um deles na prateleira de uma locadora não tem mais como saber que eles existem. E, mesmo conhecendo uma obra, vai suar para conseguir encontrar.

“Cadê ‘Dublê de Corpo’, ‘Vestida para Matar’, ‘Nós que nos Amávamos Tanto’? Não tem”, lamenta André Sturm, dono e programador do cinema Petra Belas Artes. “Por isso quero lançar um canal de streaming na internet chamado Belas Artes, pretendo botar no ar no segundo semestre, com filmes clássicos, emblemáticos, que não envelhecem e que não estão disponíveis”, diz.

Angie Dickson em cena do filme 'Vestida para Matar' - Divulgação

As plataformas brasileiras de streaming Looke e Oldflix são outras opções quando os grandes canais não têm o que o espectador procura. Ambas são bem pequenas, mas seus acervos estão crescendo. 

Luiz Bannitz, criador do Looke, diz que procura complementar o que já existe no mercado. “Sou uma mistura de Now com Netflix. Meu foco é o que acabou de sair, mas também tenho filmes antigos, são mais de 300 clássicos.”

Já o Oldflix, criado em Natal, é dedicado só a filmes antigos. Segundo Manoel Ramalho, gerente de novos negócios, a “proposta é emocional, somos feitos para os saudosistas, temos filmes de desde 1940 a até dez anos atrás”. Eles têm 1.200 títulos e a pretensão é chegar a 4.000.

Os canais a cabo da rede Telecine têm um bom acervo, mas exibem seus longas na grade da programação. O telespectador não pode ver o que quiser quando quiser. 

Segundo Sóvero Pereira, diretor de conteúdo e aquisições do Telecine, “o canal procura aproveitar efemérides para fazer especiais comemorativos, seja de uma obra importante, seja de um ator ou diretor”.

Há também uma plataforma de streaming na internet, o Telecine Play, que cobra R$ 37,90 por mês e tem cerca de 2.000 títulos, não necessariamente os mesmos exibidos na programação da televisão.

Mas ainda há locadoras que sobrevivem às mudanças do mercado, fazendo adaptações aos novos tempos. A Video Connection, no térreo do edifício Copan, permanece no mesmo lugar desde 1986. 

O dono, Paulo Sérgio Pereira, que já teve cinco funcionários e agora trabalha sozinho na loja, diz que consegue se manter porque seu imóvel é próprio. “Se tivesse que pagar aluguel já tinha fechado.”

Seu público ainda procura os lançamentos, os filmes que ganharam Oscar, os que fizeram muito sucesso.

“Alguns preferem o DVD por causa dos extras, que os canais de streaming não mostram. As novidades e os blockbusters ainda saem em DVD, mas agora eu é que tenho que ir atrás dos vendedores, não o contrário, como costumava ser”, afirma.

Sua vasta coleção de clássicos chama a atenção de uma fatia de seu público. “Tenho 15 mil títulos, entre eles todos os franceses, italianos, americanos e brasileiros mais importantes. Tem muito jovem estudante de cinema, ou apenas cinéfilo, que vem atrás de um diretor ou ator específicos.”

Como Martim Ancona, esses jovens se lembram de ir à locadora com seus pais, programa comum até o começo deste milênio. “Antigamente tinha assistência nas locadoras, os clientes podiam chegar sem saber bem o que queriam e sair com um filme indicado por um conhecedor. Agora tem que saber o que quer.”

Em Sapopemba, na zona leste de São Paulo, a locadora Charada Clube acabou virando o Centro Cultural Charada.

A salinha com filmes pornô que existia no fundo da loja deu lugar a um espaço de eventos, onde acontecem desde shows de rock até comédias stand-up, passando por aulas de violão, guitarra, baixo, saxofone, bateria e teatro. “Nesses eventos vendo cerveja, suco, refrigerante. E aí consigo botar 100% de 
lucro em cima”, diz o dono, Gilberto Petruche.

Ele tem orgulho de seu acervo de clássicos. “Tenho um segmento só com filmes italianos, um com franceses, um com alemães, um com japoneses e um só com brasileiros. Tenho 12 mil títulos.”

Segundo Petruche, 60% dos clientes que procuram filmes para alugar preferem os cults, entre estrangeiros e brasileiros. Dez por cento querem pornô e outros 20% buscam lançamentos ou filmes de luta.


Exemplos fora do streaming

‘Os Sete Samurais’ (1954), Akira Kurosawa
 
‘Duas ou Três Coisas que eu Sei Dela’ (1967), Jean-Luc Godard

‘Z’ (1969), Costa-Gavras
 
‘O Conformista’ (1970), Bernardo Bertolucci

‘Ensina-me a Viver’ (1971), Hal Ashby

Fernando Rey (à esq.) e Jean Pierre Cassel em cena do filme 'O Discreto Charme da Burguesia' (1972), de Luis Buñuel - Divulgação

‘O Discreto Charme da Burguesia’ (1972), Luis Buñuel
 
‘Serpico’ (1973), Sidney Lumet
 
‘O Dia do Chacal’ (1973), Fred Zinnemann

‘O Amigo Americano’ (1977), Wim Wenders

‘O Expresso da Meia-Noite’ (1978), Alan Parker

‘All That Jazz’ (1979), Bob Fosse

‘Muito Além do Jardim’ (1979), Hal Ashby

‘Xanadu’ (1980), Robert Greenwald

‘Fuga de Nova York’ (1981), John Carpenter

‘Excalibur’ (1981), John Boorman
 

Jack Nicholson em cena do filme 'O Destino Bate à Sua Porta' - Divulgação

‘O Destino Bate à sua Porta’ (1981), Bob Rafelson

‘Cocoon’ (1985), Ron Howard

‘A Honra do Poderoso Prizzi’ (1985), John Huston

‘O Nome da Rosa’ (1986), Jean-Jacques Annaud

‘Nova York - Uma Cidade em Delírio’ (1988), James Bridges

‘Meu Amigo Totoro’ (1988), Hayao Miyazaki

‘True Lies’ (1994), James Cameron
 

John Cusak e Dianne Wiest em cena do filme 'Tiros na Broadway' - Divulgação

‘Tiros na Broadway’ (1994), Woody Allen
 
‘O Quinto Elemento’ (1997), Luc Besson

‘Singularidades de uma Rapariga Loura’ (2009), Manoel de Oliveira

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