Sturm deixa Secretaria da Cultura de São Paulo se sentindo 'perseguido'

Exonerado na segunda, cineasta diz que medidas impopulares justificaram polêmicas da gestão

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André Sturm no Theatro Municipal de São Paulo - Bruno Santos/ Folhapress
São Paulo

Exonerado do comando da Secretaria Municipal de Cultura na última segunda-feira (14), o cineasta André Sturm diz que se sentiu "perseguido" durante a gestão que iniciou há dois anos.

Ele não vê problema nas turbulências criadas por movimentos culturais contrários às mudanças em editais de fomento e a outras medidas que propôs. "Isso está no campo das ideias." Só não reconhece as reclamações daqueles que, por exemplo, apontaram falta de abertura para o diálogo.

A saída da prefeitura acontece por causa de um pedido seu ao prefeito Bruno Covas, afirma. O cargo foi ocupado na terça (15) por Alê Youssef.

A razão principal, prossegue, foram os desgastes pessoais frente aos processos burocráticos da administração pública, também impingidos pelas investigações que está respondendo no Ministério Público —embora as veja como algo natural para um agente no cargo que assumiu. "Esse é o preço que se paga por participar de um governo", diz.

Em um dos inquéritos, os promotores apuram se houve irregularidade em um processo de concorrência de patrocínio para o Carnaval de São Paulo do ano passado. Em outro, mais recente, investiga-se a possibilidade de improbidade no rompimento de um contrato com a Odeon, organização social que estava à frente da administração do Theatro Muncipal de São Paulo.

Sturm diz que o rompimento era previsto em contrato e que faltava transparência nas prestações de contas do instituto. Ele também fala de erros administrativos e de um relacionamento desgastado.

Sua saída dividiu a plateia. Em oposição à torcida que comemorou sua saída, houve artistas como a atriz Esther Góes: ela publicou carta na Folha lamentando a exoneração. No texto, diz que ele foi um "dedicado colaborador" e não teve o "devido reconhecimento".

Góes acha que o temperamento do ex-secretário chamou mais atenção do que "sua coragem de desmontar feudos antigos da pasta". De fato.

"Quase chorei quando li a carta", diz o ex-secretário, apontando outros feitos seus, como a recuperação de equipamentos culturais na periferia e o esforço de ampliar a programação do Theatro Municipal, que ele afirma ter chegado a 230 dias em 2018, contra menos de cem dias no último ano da gestão Haddad.

Uma das principais e mais impopulares mudanças sob seu comando foi a de rever, nas leis de fomento, a composição de júris que selecionavam os projetos de teatro e dança que seriam subsidiados pelo município. Diminuiu-se a influência das cooperativas dentro dos programas.

Quem se opôs à reforma viu um aceno do secretário a um setor mais comercial e conservador, supostamente com mais recursos para subsistir. Os que o defenderam colocam em pauta a pluralidade de projetos e ideias, contestando a formação de panelas e a repetição de grupos beneficiados ano após ano.

"São medidas que eu ainda defendo com convicção. Não é justo me pintar como um secretário da cultura que produziu polêmicas gratuitas e que não tinham sentido", diz.

Bruno Santos/Folhapress

André Sturm, 52

Liderou movimento pelo Cine Belas Artes e tornou o Museu da Imagem e do Som mais popular, com exposições como as do infantil ‘Castelo Rá-Tim-Bum’ e de David Bowie. Como secretário municipal, enfrentou turbulências com artistas e gestores


Sturm havia assumido a pasta após passar pela direção do Museu da Imagem e do Som, cujo público havia ampliado de 40 mil (em 2009) para 446 mil (2016), com mostras interativas e de veia popular.

Também ficou conhecido por ter liderado movimento contra o fechamento do Cine Belas Artes, na esquina da avenida Paulista com a Consolação, até 2014 ameaçado pela especulação imobiliária.

Logo que assumiu a prefeitura no time de João Doria (PSDB), deparou-se com três quiproquós. O prefeito anunciou sem consultá-lo a mudança da Virada Cultura para Interlagos —e Sturm precisou resgatá-la para o centro.

Depois Doria comprou briga com grafiteiros apagando murais emblemáticos da cidade. E, por fim, iniciou a gestão com um contingenciamento de 43,5% no orçamento da pasta da Cultura, o que provocou atraso em programas.

"Quando João Doria congelou 45% do meu orçamento, eu poderia ter dito, amigo, não posso fazer nada. Parava a secretaria. Mas eu não parei", defende-se.

Não bastasse o início conturbado, Sturm foi exposto por três vazamentos de áudios gravados sem seu conhecimento. No primeiro, de maio de 2017, em uma reunião, ele ameaçava "quebrar a cara" de um agente cultural.

No segundo, trocava ofensas com uma assessora, Lara Pinheiro, que também era uma amiga sua. Na gravação, diz que ela seria demitida e, como resposta, ouve uma ameaça velada de que poderia ter de enfrentar uma denúncia por assédio sexual.

Pinheiro pergunta se estava sendo demitida porque "não quis dar" para ele durante uma viagem ao Canadá. A assessora não apresentou denúncia contra Sturm.

A última gravação foi feita por um diretor do Instituto Odeon. O documento deu base para que a organização social acusasse o ex-secretário de chantagem. O que eles alegam é que Sturm condicionou aprovação de prestações de contas à imposição de um acordo amigável de dispensa.

No áudio, é possível ouvir Sturm dizer: "É evidente que não vou dar quitação antes de vocês assinarem que querem sair. Bem se dou a quitação para vocês e o presidente do conselho diz que pensou melhor e não quer sair? Como eu vou notificar vocês depois se dou quitação para vocês? Agora, é evidente a disposição para um entendimento amigável. Se eu não quisesse amigável, já teria feito litigioso".

Das polêmicas que alimentaram o noticiário, Sturm reconhece que errou em somente uma ocasião: "Acho que eu me excedi de fato uma vez: quando falei que ia quebrar a cara daquele menino".

"Sobre a gravação da Lara, falei uma grosseria para ela, mas aquilo não é uma conversa de secretário. Aquilo é uma conversa de duas pessoas que trabalhavam juntas, mas que tinham uma intimidade, não sexual, mas de amizade."

Uma das hipóteses que Sturm considera para compreender um cenário hostil a sua administração é a indisposição de uma ala à esquerda do cenário artístico paulistano com um prefeito que expressava ideias conservadoras e simpatia pela privatização de serviços públicos.

Ele defende a gestão de Doria, embora ache que o ex-prefeito, hoje governador de São Paulo, tenha "cometido um equívoco ou outro". Um dos exemplos que cita é a declaração do tucano atacando a performance "La Bête", no MAM.

Sturm se manifestou publicamente contrário à opinião do então prefeito. Doria chamou de "imprópria" a performance em que um homem nu podia ser tocado e manipulado pelo público presente.

Sobre a "recomendação" a artistas para não se manifestarem politicamente na Virada Cultural de 2017, Sturm diz que a secretaria estava atendendo a uma exigência do Ministério Público. Outro episódio em que estava na ponta da lança.

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