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Documentário sobre ditadura no Chile gera comparações com Brasil do presente e do passado

Filme do diretor Nanni Moretti foi tema de debate com presença de Fernando Haddad

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São Paulo

​No Chile de Pinochet, a liberdade começava pulando um muro. Foi saltando às escondidas para os jardins da embaixada italiana em Santiago que centenas de perseguidos políticos conseguiram asilo e emprego na Itália durante a ditadura no país, que durou de 1973 a 1990.

O acolhimento dos italianos aos refugiados chilenos é o fato central do documentário “Santiago, Itália”, do diretor Nanni Moretti, que estreia no dia 20. Moretti reconstrói o período a partir de imagens de arquivo e depoimentos de vários lados envolvidos na história, incluindo militares acusados de tortura e empresários que defenderam o golpe de Estado que derrubou o presidente Salvador Allende.

O filme teve pré-estreia, seguida de debate, organizados pela Folha na terça-feira (18), em parceria com o Petra Belas Artes e a Pandora Filmes. “Eu temo, sinceramente, que nós alcancemos a ditadura pelo voto. Porque a situação do Brasil hoje é aterrorizante”, disse o advogado José Carlos Dias, um dos debatedores.

Dias integrou a Comissão Nacional da Verdade e defendeu mais de 500 perseguidos políticos durante a ditadura brasileira. “Não podemos contar com essa liberdade [conquistada com o fim da ditadura]. Corremos um risco muito grande de, ao perder um pouco, ir perdendo mais.”

O advogado lembrou que, antes do golpe no Chile, muitos brasileiros perseguidos pelo regime buscaram asilo em Santiago. A solidariedade foi recíproca: anos depois, o advogado viu refugiados do Chile, Argentina e Uruguai formarem fila em frente à sede da Comissão de Justiça e Paz, na avenida Higienópolis, na região central de São Paulo. Criada pelo cardeal dom Paulo Evaristo Arns, a comissão conseguiu abrigo e asilo político para perseguidos do cone sul.

Para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, outro debatedor, a adesão atual de parte da população ao autoritarismo é indissociável da crise econômica mundial iniciada em 2008. “Houve empobrecimento, endividamento. Nós beiramos o abismo”, afirmou. “Essa negação da história faz parte do processo de crise. A pessoa quer uma solução autoritária porque não vê outra. Ela nega que o autoritarismo possa ser um problema porque está desesperada.”

A plateia, que lotou o cinema Petra Belas Artes, buscava respostas que iam além da política: por que não há mais solidariedade no mundo? As pessoas estão esquecendo o passado? Como não perder a esperança na democracia?

Tanto Haddad como Dias ressaltaram que a maioria dos brasileiros não é autoritária e que a democracia se constrói com pequenas ações no cotidiano, como sentar para debater um filme. Outro consenso entre os dois foi a necessidade de defender os valores democráticos com a mesma disposição do momento anterior à adesão aberta de muitas pessoas a ideologias totalitárias. 

“O maior inimigo da liberdade é o medo”, afirmou Haddad. “As pessoas estão com medo em função do que viveram, do que constataram, do que aconteceu. Estamos sob esse signo hoje. Quem pode está mandando o filho estudar fora.” Para ele, não adianta mais apenas explicar que a ditadura foi desastrosa, mas estar aberto a ouvir uma opinião contrária a esse fato e comunicar o seu lado sem hostilidade.

“Temos que desarmar esse sentimento. As pessoas estão muito machucadas. O cuidado precisar estar na ordem do dia”, disse.

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