Algumas pessoas sentem uma coceira incontrolável quando veem que alguma história já está completa, redonda, sem necessidade de novos capítulos. O desejo é tão persistente que logo decidem mexer no que estava quieto. Afinal, que mal teria uma continuação?
No cinema, isso gera aberrações como “Homem-Aranha 3” (2007) e “Os Embalos de Sábado Continuam” (1983) —sequência de “Os Embalos de Sábado à Noite” (1977) dirigida por Sylvester Stallone.
“Toy Story 4” flerta com essa lista. Isso após a franquia sobre brinquedos que ganham vida longe dos humanos ter alcançado algo raro: estrear com um ótimo filme em 1995 (o primeiro feito todo no computador), manter a qualidade na sequência de 1999 e chegar ao melhor longa em 2010, encerrando a trilogia como poucos.
Mas lembra aquela história de coceira incontrolável?
“Toy Story 4” retorna ao mundo dos bonecos, mas desta vez eles não pertencem mais a Andy. O menino cresceu, foi para a faculdade e doou Woody, Buzz, Senhor Cabeça de Batata e toda a patota de plástico para a garotinha Bonnie.
Mesmo entupida de brinquedos, a menina inventa de criar um personagem de sucata feito com garfo descartável, palitos e arame. Uma espécie de Frankenstein, que ganha vida, se torna o divertido Garfinho e vive em eterna crise de identidade, com tendências praticamente suicidas.
É quando Garfinho desaparece que o longa se desenrola, forçando Woody a encarar sozinho uma missão de resgate em busca do talher fujão. No caminho, ele conhece novos personagens e reencontra Betty, a boneca que no passado foi uma paquera do caubói.
Mas ela mudou. Agora está empoderada, não pertence a ninguém e veste uma calça jeans no lugar do antigo vestido cor-de-rosa. É uma reação ao movimento #MeToo e resposta cinematográfica da Pixar contra as acusações de assédio que alvejaram o fundador do estúdio, John Lasseter.
O filme, no entanto, para por aí. Embora tecnicamente impecável, como costuma ser tudo da Pixar, “Toy Story 4” não justifica sua existência. E piora no final, quando tenta acrescentar um toque dramático com uma separação dolorosa que não consegue superar o desfecho do terceiro longa, deixando um gosto chinfrim de déjà-vu.
Pensando bem, aquela coceira parece ter causa: em 2018, a Disney inaugurou nos EUA um parque temático de “Toy Story” com 44 mil metros quadrados. Não parece inteligente (diante do investimento) que o último filme da franquia tivesse sido lançado há quase dez anos.
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