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Cinema

Baseado em Nelson Rodrigues, 'A Serpente' tem forte sequência final

Com escolha narrativa pretensiosa, filme tem Lucélia Santos e Matheus Nachtergaele

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A Serpente

  • Classificação 16 anos
  • Elenco Matheus Nachtergaele, Lucélia Santos, Silvio Restiffe, Cellia Nascimento
  • Direção Jura Capela

Há várias maneiras de filmar Nelson Rodrigues. Nelson Pereira tocou melhor do que ninguém na corda do subúrbio; Leon Hirszman pôs luz nos recalques da vida modesta; Braz Chediak foi irregular a cada vez; Arnaldo Jabor foi mais longe que ninguém no melodrama, isto é, na tragédia da classe média; Murilo Benício foi o mais interrogativo, o mais intrigado com a obra intrincada do dramaturgo.

O pernambucano Jura Capela escolheu um caminho árduo. Trata-se de menos fazer um filme de “A Serpente” do que de mostrar o potencial teatral da peça. Isso em sua estreia no cinema. Existem mestres no uso teatral do cinema: os Straub, Manoel de Oliveira, para ficar em dois nomes próximos de nós. Mas nenhum opera tantos deslocamentos, tantas mudanças de cenário, tantos efeitos que fazem com que nos sintamos, nós espectadores, suspensos num espaço que não é teatro, nem cinema.

Para um primeiro filme é uma escolha arrojada, talvez mesmo um pouco pretensiosa demais, a provocar todo o tempo o incômodo de perguntarmos onde, afinal, estamos. Um incômodo que tende a nos dispersar (quer dizer: posso responder apenas por mim) da trama propriamente dita para nos perguntarmos onde, afinal, isto está acontecendo.

E a trama não favorece dispersões. Lígia é casada com Décio, mas eles nunca consumaram o casamento. Décio revela-se impotente e Lígia decide se suicidar. Para evitar a tragédia, sua irmã, Guida, oferece-lhe o marido, Paulo, por uma noite, para que perca a virgindade.

Se o jogo cenográfico não favorece o desenvolvimento da mise-en-scène, que se torna um tanto prisioneira do não-lugar eleito pelo diretor e pelos efeitos de luz e enquadramento subsequentes, isso se deixa compensar pela mais cinematográfica das ideias: Guida e Lígia são representadas pela mesma atriz, Lucélia Santos —aliás, uma especialista em Nelson Rodrigues.

É a partir daí, aliás, que a impressão começa a mudar: não são duas irmãs. Gêmeas, talvez, mas, em função do texto, mais que isso. É a mesma irmã duas vezes. Paulo, chamado a fazer o papel do cunhado canalha, que se deixa seduzir pela irmã da mulher, é representado por um Matheus Nachtergaele tão intenso quanto Lucélia.

A direção dos atores de certa forma compensa o errático da cenografia. À tragédia de Nelson, Jura Capela acrescenta outra, fantástica: a de um homem que se apaixona por uma mulher e, depois, pelo seu duplo. Mas as duas nunca chegam a alguma forma de harmonia; Paulo passa a ter um amor terno por Guida e um amor sexual por Lígia. A situação é insuportável para Guida, mas não é muito menos para o marido.

O que tira as dúvidas quanto ao projeto de Capela é a fortíssima sequência final, quando Paulo leva Guida, puxada pelos cabelos, morro acima, até uma escarpa: o lugar que pode representar a morte de um, de outro, ou eventualmente de todos os três personagens.

Se esse projeto de Capela parece ainda confuso, não há dúvida de que não lhe faltam ideias: “A Serpente” é um começo ousado, e um bom começo.

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