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Brad Pitt vive astronauta em busca do pai nos confins do Sistema Solar em 'Ad Astra'

Filme sobre laços afetivos numa Terra devastada, de James Gray, estreou no Festival de Veneza

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São Paulo

Um sonar, um radar, um aparelho de ultrassom. A primeira impressão de “Ad Astra”, novo filme de James Gray, chega pelos ouvidos.

Na produção, que teve sua estreia mundial nesta quinta, no Festival de Veneza, o astronauta Roy McBride, personagem de Brad Pitt, recebe a missão ultrassecreta de procurar pelo pai, que não vê desde a adolescência.

Lenda da exploração espacial, Clifford McBride, vivido por Tommy Lee Jones, pode estar vivo nos confins do Sistema Solar —e por trás de panes energéticas generalizadas que atingem a Terra, causando prejuízos e mortes. 

A ideia central do filme, diz Gray à repórter por telefone, duas semanas antes do festival italiano, “era o renascimento de Roy”. A ameaça à Terra, que motiva a jornada do astronauta, “é só a premissa, só a superfície”. 

Por isso, a evocação do ultrassom no início e outras alusões a um parto, em distintos momentos da trama —que, reafirma Gray, não é sobre “deter esse desastre terrível”. 

“É um filme sobre um pai e um filho, sobre a possibilidade de reparação, de seguir com a própria vida. Uma ideia bem mais centrada na emoção do que seria no caso de um filme-catástrofe.”

A odisseia de Roy se passa num tempo próximo do presente, que é retratado sem qualquer traço de pirotecnia.

Gray diz que houve um “esforço consciente” por evitar um mundo hipertecnológico. “Falar da capacidade de ir mais e mais longe no espaço com melhores formas de propulsão ou sei lá o que seria só uma distração.”

A sobriedade geral de “Ad Astra” se estende ao comportamento dos personagens, em especial ao do protagonista. 

Roy McBride é o exemplo acabado da contenção. Seu pulso nunca dispara, nem nas situações mais assustadoras. No início do longa, ele sobrevive ao despencar de uma megaestrutura afetada pela tal pane elétrica.

Se o coração do personagem de Pitt não acelera, o mesmo não se diz dos batimentos do espectador. “Ad Astra” tem sua cota de sustos e tensão. Mas tampouco é esse o tipo de emoção que Gray persegue. 

“Sófocles e Shakespeare ainda nos comovem, pela emoção humana. Queríamos nos concentrar na conexão, ou falta de conexão, entre seres humanos”, diz. E acrescenta: “Também não queríamos bancar os exibidos”.

As relações humanas estão no cerne da filmografia de Gray —seja na forma de histórias de amor, de gangues ou de imigrantes, que se passam, quase todas, em Nova York, e sempre escritas por ele, para quem “o roteiro é o aspecto individual de maior importância num filme”.

“Sempre escrevi meu próprio material porque é a maneira de ser o mais pessoal possível, de não pôr uma barreira entre mim e o filme.”

Antes de irem parar no espaço sideral, seus personagens só haviam saído de Nova York, onde o cineasta nasceu, para a Amazônia, em seu longa anterior, “Z: A Cidade Perdida”. 

Gray não nega o vínculo que possa haver entre “Ad Astra” e a adaptação do livro de David Grann sobre as desventuras do tenente-coronel britânico Percy Fawcett na Amazônia, no início do século 20.

Ele escreveu a ficção científica enquanto tentava viabilizar “Z: A Cidade Perdida”. 

Embora “não tenha pensado nisso conscientemente”, conta o cineasta, hoje lhe parece claro que já tinha em mente “essa ideia de que explorar pode ser uma maneira de escapar —de suas dificuldades, de seus medos, em vez de ser simplesmente uma aventura nova e ousada”.

Seria o caso de perguntar por que ir tão longe para contar uma história que, no fim das contas, não precisaria se passar em meio aos astros.

“É uma história de abandono, e a vastidão do espaço surge como uma metáfora perfeita para a vastidão e o mistério da nossa alma”, afirma Gray.

“Ad Astra” significa “rumo às estrelas”. O nome do filme foi tomado da expressão latina “per asper ad astra”, ou por árduos caminhos até as estrelas. “É por meio das provações que Roy se torna plenamente um adulto.” 

Mas também poderia evocar “ad astra et ultra” —aos astros e além. Este talvez pudesse ser o lema de Clifford McBride, que, em seu afã por descobrir o universo e saber se estamos sós nele, deixa para trás a Terra e a família.

“Rumo às Estrelas” é ainda o subtítulo que a produção terá ao estrear no Brasil, em 26 de setembro. O país, pelo qual Gray se diz apaixonado, é o único que o cineasta visitará para lançar o longa, produzido pela RT Features, do brasileiro Rodrigo Teixeira.

Instigados pela repórter, ambos declaram respeito e admiração mútuos e seu prazer em trabalharem juntos.

A experiência vai se repetir em “Armageddon Time”, próximo longa de Gray, baseado na biografia do cineasta, que terá a família Trump entre os personagens.

Gray suspira ao ser lembrado que Donald Trump é um dos líderes que não contêm a retórica desenvolvimentista e o desprezo pelos efeitos do aquecimento global, temas que aparecem em “Ad Astra”.

O filme não esconde a crítica aos eventuais excessos da exploração do espaço. “Aonde queremos chegar procurando uma alternativa para a Terra?”, parece questionar.

A primeira parada de Roy é na Lua, para onde viaja num voo comercial. O satélite que, no ano em que Gray nascia, foi tocado pelo homem sob o pasmo dos que assistiram ao feito pela TV, surge conquistado, uma extensão melancólica dos domínios terrestres. 

Segundo Gray, com o fim das utopias socialistas, “por mais estúpidas que fossem as ditaduras dos anos 1960”, deixou de haver também um questionamento, uma “resposta ao capitalismo e ao mercado”. 

“Nada indica que seremos capazes de superar a opressão capitalista. Seria preciso uma mudança mais fundamental para impedir que, daqui a 50 anos, a gente dê com um Burger King ou um McDonald’s na Lua.”

A devastação da Terra também está posta nas imagens. Ao filmar paisagens —as cenas de exteriores terrestres são poucas —, Gray procurou “lugares de aparência árida, de modo a mostrar a destruição da mudança climática”.

“Não dava para entrar muito nisso, levaria o longa para um lado abertamente político demais, então fica como pano de fundo. Mas estava muito no espírito do filme, porque há uma grande conexão entre zelar por nossa vida interior e zelar pela Terra”, diz.

E há que zelar. “Essa ideia de que se pode viajar mais e mais longe no espaço e lá encontrar ‘a’ resposta… Não, não. Não há como deixar a Terra, ela é tudo que temos.”

Confira filmes de James Gray que fizeram barulho nos festivais

Fuga para Odessa, 1994
Com o primeiro longa, sobre judeus soviéticos em Nova York, James Gray estreia em Veneza aos 25 anos. Leva um Leão de Prata, e a taça Volpi para a atriz Vanessa Redgrave 

Caminho sem Volta, 2000
O Festival de Cannes o descobre com este longa, no qual um ex-presidiário tenta fugir de novos crimes

Os Donos da Noite, 2007
Gray volta a Cannes com este filme sobre a máfia russa em Nova York, firmando sua fama na França —não levou a Palma, mas um César, o Oscar do país. Vai novamente com ‘Amantes’, em 2008, e ‘Era uma Vez em Nova York’, em 2013

Z: A Cidade Perdida, 2017
Épico passa no Festival de Berlim, mas fora de competição

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