Descrição de chapéu
Zeca Camargo

Fernanda Young nos fazia pensar sobre nós mesmos com um sorriso

Atriz e roteirista fazia humor ao mostrar como o nosso cotidiano é ridículo

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“É interessante saber que eu ainda sou importante para algumas pessoas nesse país decadente. Pronto, me arrependi de ter falado isso.” Assim disse uma vez Fernanda Young num episódio de sua websérie “Conselhos Sensatos” –que era, aliás, o que ela mais gostava de oferecer. Mesmo que eles não fizessem o menor sentido e deixassem a pessoa que a consultou ainda mais perplexa com suas dúvidas.

Não era simplesmente uma questão de vir para confundir e não para explicar, como dizia Chacrinha. O fato é que com seus textos, pensamentos, suas ideias —ou mesmo na conversa mais informal—, Fernanda Young, que morreu neste domingo (25), olhava para o próprio caos à sua volta e nos devolvia essa mesma confusão, talvez apenas um pouco mais digerida. Um pouco mais cômica. Um pouco mais poética.

A palavra, é claro, era sempre seu instrumento favorito. Primeiro nos seus livros. Ana e Jaime, o casal protagonista de seu romance de estreia, “Vergonha dos Pés”, era um tubo de ensaio para toda a sua escrita que viria depois: intenso, apaixonado, contraditório, fulminante. É possível encontrar ecos deles até em Rui e Vani, sua criação de maior sucesso para o seriado “Os Normais”, que ainda renderia dois filmes de sucesso.

Essas eram qualidades que ela mesma trazia na manga —inclusive a de ser fulminante. E a mistura improvável delas era a marca do seu trabalho. Fernanda sabia olhar para o cotidiano, nos mostrar o quão ridículo ele era (e ainda é) e fazer disso humor. A chave era identificação: incontáveis casais se viram representados em Rui e Vani, mas as correspondências estavam sempre lá para que o leitor, ouvinte, telespectador, quem estivesse do outro lado do seu texto, as fizessem.

Da aridez patética dos funcionários públicos em “Os Aspones”, uma série de TV de vida injustamente breve, aos ultraconectados jovens adultos de “Shippados” (seu trabalho mais recente em televisão), Fernanda jorrava personagens modernos e finamente caricatos, oferecendo leituras e mais leituras improváveis de sua mente inquieta.

Adjetivo este que, no caso, não poderia ter conotação mais positiva. O que perdemos com sua morte abrupta e prematura é, sim, uma mente inquieta, mas não no sentido de conspiratória —que é o mais usado frequentemente. Essa inquietude vinha da vontade de provocar, novamente não no sentido tão batido hoje da ofensa de haters, mas o da cutucada com o explícito sentido de nos fazer pensar sobre nós mesmos. Se possível, com um sorriso.

“As pessoas me acham malucas, mas estou observando tudo —de dentro e de fora.” Assim postou Fernanda dois dias atrás no seu Instagram. E uma vez driblada a saudade, o mínimo que podemos fazer para preservar suas ideias nessa nossa realidade cada vez mais improvável (e que a vinha deixando tão indignada) é seguir observando, com a mesma inteligência ácida que ela usou para encerrar este mesmo texto na rede social.

“Aos que se interessam: bom proveito. Para os outros: estou pouco me lixando!”

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