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Pannunzio diz que sua saída da Band não tem a ver com bate-boca com governo

Jornalista, que estava há 26 anos na emissora, diz que sua saída se deve a questões de saúde

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São Paulo

Depois de mais de 26 anos trabalhando para o grupo Bandeirantes, o jornalista Fábio Pannunzio, 58 anos, está deixando a emissora, onde apresentava o Jornal da Noite desde 2016.

Dois dias antes de anunciar sua saída da empresa por meio de uma mensagem pública no Twitter, o jornalista discutiu, também pela rede, com o chefe da secretaria de Comunicação Social do governo federal (Secom), Fábio Wajngarten, que o desafiou a se demitir. Pannunzio, no entanto, nega que sua saída tenha sido motivada pela discussão com Wajngarten.

“Eu reafirmo que ele tem o hábito de pedir cabeças de jornalistas, mas essa conta não é dele: eu pedi para sair”, disse à Folha, em entrevista por telefone. Pannunzio conta que no dia 2 de agosto sofreu fortes dores no peito e foi parar no hospital, “com obstrução de quase toda a coronária central, que é a maior. O médico me disse: ‘Mude de emprego’”.

E por que um funcionário em condições frágeis de saúde pediria demissão, em vez de pedir que a empresa patrocinasse seu tratamento? Pannunzio responde que a Band continuará bancando seu plano de saúde e disse que tem planos para lançar um projeto grande na internet, o PRK30.

“Em mais de duas décadas na Band, nunca vi a empresa entregar a cabeça de nenhum jornalista e não foi a primeira vez que pediram a minha. No governo Fernando Henrique, o Sérgio Motta [ex-ministro das Comunicações, morto em 1998] pediu minha cabeça e não teve. Outros políticos também já pediram”, afirmou.

Ao ver que apoiadores de Bolsonaro comemoraram a demissão como um ato de Wajngarten, o jornalista voltou ao Twitter para dizer: “Gente, sinto muito decepcioná-los, mas a minha demissão da Band estava definida há cerca de um mês. Esse @fabiowoficial jamais teria força para provocar minha demissão. Ao contrário. Os tuítes que ele envia para os meus chefes eram motivo de chacota na Redação”.

Procurado, Wajngarten disse que não iria se manifestar, mas disse: “Nunca pedi a cabeça de ninguém. Sou profissional e técnico. Continuarei trabalhando na construção de um Brasil melhor. A minha consciência sempre estará absolutamente tranquila”.

A discussão com o chefe da Secom começou porque Pannunzio reagiu a um comentário de Wanjgarten.

Na terça (2), quando uma pesquisa Datafolha apontou a queda de aprovação do governo Bolsonaro, o chefe da Secom publicou no Twitter: “Tenho 18 anos de atuação no setor de pesquisa, mais precisamente na pesquisa de mídia. É absolutamente inaceitável um Instituto de Pesquisa pertencer à (sic) grupo de comunicação. Há um absoluto conflito de interesse. Há que se criar indicadores de performance de quem  acerta ou erra."

Pannunzio respondeu: “Você é um dedo-duro intrigante que só sabe pedir cabeças de jornalistas. Você deve ter passado esses 18 anos aprendendo como ser vil e covarde”. Em tréplica, Wajngarten reagiu: “Pergunte ao seu chefe Paulo Saad, Johny, Marcelo D’angelo, se ele confirma isso. Se ele confirmar eu me demito. Se ele negar vc se demite, fechado??? Vamos ser objetivos e verdadeiros”.

Diretor do instituto Datafolha, Mauro Paulino questiona onde estaria o "conflito de interesse" mencionado, mas não apontado por Wajngarten.

"Justamente por pertencer a um grupo de comunicação, o Datafolha não faz pesquisas de intenção de voto ou de avaliação de governos para partidos políticos ou órgãos governamentais. Todos os resultados de opinião pública apurados pelo Datafolha são publicados na íntegra em seu site", completa Paulino.

"Além disso", continua, "a partir de sua credibilidade no mercado, conquistou total independência técnica e financeira."

Para Pannunzio, o orgulho dos apoiadores de Bolsonaro em acreditar que sua saída foi motivada pela discussão só corrobora a percepção do quanto o atual governo é autoritário, confirmando a prática de cercear e ameaçar jornalistas.

“Ele já é autoritário pelo que ele representa, ele não precisa de mais uma cabeça, já investiu contra a [Rachel] Sheherazade, o [Marco Antonio]  Vila. Por isso eu digo que o que eu consegui na profissão, eu não conseguiria em outra emissora, inclusive pela minha capacidade de ser desobediente”, disse. “O Johnny [Saad, dono do grupo Bandeirantes] sempre foi muito paciente e generoso comigo."

Para Pannunzio, “há muito tempo está muito chato fazer jornalismo”.

“É interferência demais do governo. Essa campanha de lesa imprensa, como instituição. Esse governo é capaz de fazer o que fez com o [jornal] Valor Econômico,  criar uma situação só porque ele quer quebrar uma empresa jornalística, isso é um completo absurdo.”

Pannunzio se refere à medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro que desobriga empresas de capital aberto a publicar seus balanços em veículos impressos.

“Os meus atos não têm coerência com a minha ideologia, têm que ter coerência com a minha iconoclastia, é meu papel como jornalista”, completa Pannunzio, lembrando que em 2009, quando criticava o governo do PT, era tratado como alguém “de direita”.

“O PT também não deixou de mover as suas trincheiras e denunciei isso na época também. Mas agora, a relação é de ódio nas redes sociais, descredenciar a imprensa faz parte do autoritarismo desse governo. O senso comum dessa direita ridícula é que se você critica o governo você é bandido, traficante. Usaram uma foto minha, do livro que eu fiz sobre as Farc, para me associar ao movimento colombiano, é ridículo.”

Em março do ano passado, a Band chegou a planejar a ida de Pannunzio para Brasília, como repórter, para entregar o comando do Jornal da Noite a Eduardo Oinegue, mas o planejamento foi sendo adiado, até que no início deste ano, com a morte de Ricardo Boechat, Oinegue foi alçado ao Jornal da Band, principal noticiário da casa.

Ciente de que a emissora estava abrindo mão de sua imagem no Jornal da Noite, Pannunzio, que é piloto, propôs uma série sobre aviação na qual viajaria para os rincões do “Brasil profundo”.

O projeto do PRK30 para a internet está relacionado à sua experiência no ramo, no sentido de financiar a iniciativa, que ele pretende colocar de pé no prazo de um mês. O programa na internet terá ainda espaço para discussões sobre a área de cultura, que enfrenta manifestações de censura do atual governo. Para tanto, o jornalista disse que contará com o conhecimento de Lavínia Pannunzio, sua irmã, que é atriz.

“Tenho uma neta de sete anos e quero ver ela crescer. Essa vida de dormir tarde e ter na madrugada o meu pico de estresse já não é para mim”, justifica.

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