Passemos pelo achado irônico (e feliz) do título: “Morto Não Fala”. Dois aspectos se equilibram no longa de Dennison Ramalho: certo mau gosto e um profundo sentido de atmosfera, sendo o segundo essencial ao terror.
Pode-se acrescentar mais um —a violência, o que leva Ramalho a um setor específico do gênero, o do horror pesado. Essa violência fica sugerida desde as primeiras cenas.
Também ali se manifesta o que há de original na trama: a capacidade do cuidador de mortos, o protagonista, de se comunicar com cadáveres. A partir dessas conversas se manifesta o contato entre mundo dos vivos e o dos mortos. É uma fonte clássica do gênero, pois abre as portas de nossos temores mais ancestrais. Mobilizava, em resumo, o que costumávamos carregar de mais ancestral no inconsciente.
Como os tempos do misticismo ficaram para trás (ao menos para quem vai ao cinema habitualmente), Ramalho opera aqui uma atualização pertinente desses terrores, trazendo-os para o universo cotidiano com habilidade.
Esse cotidiano é preenchido pela infelicidade amorosa (a mulher que não suporta ser tocada por ele), a que se acrescenta seu apego aos filhos e a história de vingança contra a mulher e seu amante. É a partir daí que veremos o quanto é irônico o título do filme.
Se mais não convém antecipar, pode-se dizer que o encadeamento dramático ajuda a envolver o espectador tanto quanto as boas interpretações. Da mesma forma, a habilidade com que transita do sobrenatural ao natural credenciam “Morto Não Fala” a rivalizar com muito filme fantástico.
Não com os mestres, na verdade. Ramalho não tem (ainda não, em todo caso) o toque delicado ou a ironia de Tim Burton, o pensamento agudo de David Cronenberg, a profusão de ideias de Wes Craven. É como se, nessa sua estreia, buscasse se provar no gênero.
Nesse sentido, aposta ganha: fãs do horror terão motivos até para gritar no cinema, sem que por isso o filme se volte ao apelo fácil dos sustos.
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