Mostra 'Um Defeito de Cor' vai além do livro para recriar Brasil sob olhares negros

Exposição que celebra obra de Ana Maria Gonçalves e conta pedaço da história do país chega ao Sesc Pinheiros

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Laura A. Intrieri
São Paulo

A história do Brasil narrada por vozes negras. É esse o norte de "Um Defeito de Cor", tanto o livro de Ana Maria Gonçalves, já sagrado como um clássico brasileiro contemporâneo, como a exposição que celebra a obra, recém-aberta no Sesc Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.

Mas não espere uma adaptação do calhamaço de mil páginas, que serve mais como inspiração do que como fonte da montagem.

Escritora Ana Maria Gonçalves no espaço da exposição "Um Defeito de Cor", no Sesc Pinheiros - Eduardo Knapp/Folhapress

"Não quisemos pegar a história publicada e transportá-la para cá. Pegamos obras que dialogam e atualizam temas tratados no livro", diz Gonçalves, que faz a curadoria ao lado de Marcelo Campos e Amanda Bonan. "A ideia é trazer mais gente para a conversa e furar a bolha da literatura. Outros públicos farão novas leituras".

Após temporadas no Museu de Arte do Rio, o MAR, e no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, o Muncab, a mostra chega a São Paulo dois meses após escola de samba Portela ser premiada por sua homenagem ao romance no Carnaval deste ano. "Cantar ‘Um Defeito de Cor’ é exaltar a intelectualidade preta brasileira", diz Antônio Gonzaga, carnavalesco da escola de samba.

Os croquis das fantasias e adereços utilizados no desfile, assinados por Gonzaga e André Rodrigues, se juntam a uma série de obras exclusivas para essa edição da mostra.

Ao todo, são dez núcleos, baseados em temas dos capítulos do livro, costurando 372 peças de arte têxtil, fotografias, instalações, cartazes, pinturas e esculturas de autoria de artistas do Brasil, da África e Américas.

Entre as novidades, há o quadro "Retrato de Ana Maria", de Panmela Castro —a escritora posou para a pintora no Rio de Janeiro, entre um e outro ensaio de Carnaval. Retratada com um vestido azul, num sofá, a autora recebe os visitantes na entrada da mostra.

Já "Bori – Filha de Oxum", pintura de dois metros de altura e dois de largura, de Moisés Patrício, também será exibida pela primeira vez. O quadro mostra um ritual de cuidado e representa a união entre saberes ancestrais e o resgate da saúde mental.

As esculturas em metal "Flechas para Dentro", de Thiago Costa, por sua vez, representam conexões entre o mundo físico e o espiritual e ferramentas para reflexão sobre buscas pessoais. Mais do que para um lado ou para o outro, algumas direções da vida apontam para dentro, segundo o artista.

Além das artes plásticas, o documentário "Entre Savalu e Madureira", de Safira Moreira, completa a seleção registrando os preparativos do Carnaval da Portela.

A própria fachada do Sesc Pinheiros recebe uma pintura baseada na obra "Romaria", de Emerson Rocha, na qual baianas, sobre a parede azul, fazem "um convite a quem passa para entrar na exposição", nas palavras do artista.

A exposição equilibra conteúdo historiográfico com pequenas biografias de personagens femininas ficcionais do século 19. Embalando a visita, trechos do romance, em português e na língua iorubá, lidos por Gonçalves e familiares da autora, preenchem as salas com a história da protagonista Kehinde, uma jovem africana traficada para Salvador que, após se libertar e regressar à África, retorna ao Brasil para buscar seu filho escravizado.

"É interessante que o público fique em dúvida sobre o que é ou não real, porque todas as histórias dessas mulheres seriam possíveis. É intencional", diz Bonan, a curadora.

A protagonista é inspirada na vida de Luísa Mahin, articuladora de revoltas populares e mãe do advogado abolicionista Luís Gama —a única figura com documentos na exposição. As informações sobre a vida de Mahin são baseadas em registros do próprio filho, o que coloca sua própria existência em xeque para alguns historiadores.

Segundo Gonçalves, essas dúvidas ainda afetam mais a historiografia negra. "Quero que artistas negros se deem a liberdade de experimentar o mundo. Precisamos nos dar o lugar de falha, de tentar, errar, refazer até dar certo."

Um defeito de cor

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