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DeGeneres foi ícone lésbico, mas agora confraterniza com podres poderes

A apresentadora Ellen Degeneres, a ativista LGBT mais popular do mundo, foi flagrada confraternizando com George Bush

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Milly Lacombe

No começo de outubro a apresentadora Ellen DeGeneres, a ativista LGBT mais popular do mundo, foi flagrada em um jogo de futebol americano confraternizando com o ex-presidente George Bush e recebeu inúmeras críticas dos movimentos LGBT.

Justifica-se: em 2004, Bush se colocou a favor de emenda constitucional que vetaria o casamento gay e se opôs a ação legal que impediria o empregador de demitir um funcionário por sua orientação sexual.

Afogada em críticas, abriu seu programa de TV explicando que não vê problema em ser amiga de Bush já que precisamos nos relacionar com o diferente. E fez um apelo para que sejamos gentis uns com os outros. 

Em 1996, DeGeneres saiu do armário e para as jovens lésbicas da época (eu, por exemplo) virou um ícone. Durante anos olhei para a trajetória dela com uma mistura de orgulho, gratidão e encantamento. Mas a Ellen de hoje não me interessa mais.

George Bush está por trás da guerra do Iraque e dos inúmeros e assombrosos crimes nela cometidos, que incluem estupro de crianças por soldados americanos na frente dos pais prisioneiros, além da completa devastação de uma nação que, agora sabemos, não possuía armas químicas —a justificativa usada por Bush para a invasão. Nesse cenário, a homofobia de Bush sai do centro do palco e passa a ser figurante no teatro de horrores por ele comandado. 

Num mundo em que os 26 mais ricos concentram a mesma riqueza que os 3,8 bilhões mais pobres, em que 70 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar seus lares por motivos de guerra, conflitos ou abusos, que está sendo devorado pela exploração que visa lucro cada vez maior e mais rapidamente, ativismo LGBT sem consciência social não vai levar a gente a lugar algum.

Assim como feminismo sem entendimento de que não estamos lutando para que mulheres sejam nomeadas CEOs e passem a explorar e oprimir, ou para que mulheres sejam eleitas para o legislativo e saiam reforçando estruturas racistas de poder.

As lutas de hoje precisam reavaliar as relações de trabalho e de produção, precisam entender que fazem parte de uma mesma e maior experiência —a de eliminar um sistema que está destruindo a possibilidade de vida no planeta. Compactuar com criminosos de guerra, ainda que com um que aparentemente está curado da homofobia, é compactuar com o poder do capital privado que financia a destruição de nações para depois lucrar com o que chamam de reconstrução. É compactuar com a estruturação de muros e cercas para deter aqueles que tentam desesperadamente escapar de invasões e devastações climáticas.

É compactuar com a morte de crianças que não conseguem completar a travessia de fronteiras, com a separação de famílias e com a tortura.

Eu fecho com Mark Ruffalo, John Cusack e Susan Sarandon, que criticaram DeGeneres . Na iminência de queimarmos nossa única casa e acabar com a experiência humana nesse planeta é mandatório entender como o poder do capital privado opera e quem são seus agentes.

São eles que fazem as leis, que decidem quem vive e quem morre, quem come e quem passa fome, quem será eleito e quem será impichado. Enquanto não percebermos que a única narrativa é a do 99% contra o 1%, nada de muito fundamental será transformado.

Sorry, Ellen, seu discurso pedindo gentileza soa ingênuo, é ofensivo e revela que você construiu uma mentalidade similar a dos que dominam e oprimem. Agradeço os serviços lésbicos prestados até aqui, mas essa sua versão liberal que confraterniza com podres poderes não nos serve mais.

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