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Documentário 'De Peito Aberto' traz maternidade real, com choro e cocô

Não espere enquadramentos ascetizados nem narrativas arrumadinhas sobre o feliz encontro entre bebês e peitos

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De Peito Aberto

  • Quando Estreia nesta quinta (3)
  • Direção Graziela Mantoanelli

Filmadas em diferentes ocasiões ao longo do primeiro semestre de maternidade, seis mães contam sua experiência com a amamentação. Os relatos formam a espinha dorsal de "De Peito Aberto", que se vale também de entrevistas com pediatras, psicólogos e outros especialistas engajados na luta pelo aleitamento materno.

É um feito do filme falar (ou melhor: fazer falar) desse assunto sem repetir as costumeiras idealizações, nem engolir os costumeiros tabus. O que prevalece, no documentário realizado por Graziela Mantoanelli, são histórias feitas de dor e dúvida, corajosamente contadas.

Não espere enquadramentos ascetizados nem narrativas arrumadinhas sobre o feliz encontro entre bebês e peitos. Ouvem-se, no fundo sonoro de algumas entrevistas, gritinhos e chororôs. A montagem decidiu preservar, sem cortes, o longo jato amarelo de cocô que jorra de um bumbum na hora da troca.

Maternidade é (também) caos.

Para as seis protagonistas, cansaço, tensão e melancolia são inseparáveis do esboçar dos primeiros sorrisos, da doçura dos corpos que vão aprendendo a sentar, da emoção de uma boquinha recém-parida que se encaixa no seio com naturalidade —ou nem tanta.

Sim, é uma maravilha ser mãe, mas dá saudade de pular o muro, tomar cerveja e paquerar, diz uma delas, com a cria nos braços. Outra fala das discordâncias com relação à mãe e à sogra. Como lidar com palpites e comentários como "será que seu leite está fraco"?

E o que fazer quando a mãe já morreu e não pode ajudar se a pega não dá certo? Há uma nuance importante: para a mãe negra, que historicamente deixava seu filho para amamentar bebês brancos, os desafios são de outra ordem.

O documentário inscreve-se em um conjunto de ações que buscam fortalecer as mulheres para que elas possam decidir sobre onde, como e quando amamentar. É fundamental sim, frisam as falas reunidas no filme, que se possa tirar o peito do sutiã e nutrir a cria na hora e no lugar que forem necessários (ou agradáveis).

Outra proeza da realização é trazer depoimentos de médicos que receberam presentes, patrocínios ou outros mimos de gigantes da indústria alimentícia. Isso explicaria, ao menos em parte, a propensão de pediatras a receitarem a fórmula precocemente, contrariando a recomendação da Organização Mundial da Saúde de seis meses de aleitamento materno exclusivo.

Nesse ponto, "De Peito Aberto" talvez possa ser acusado de dogmático. Haveria benefícios do leite em pó para algumas mães e alguns bebês? A complementação é imperativa em certos casos? Não há tempo para tais ponderações no documentário, que, diante de um enorme material filmado (cerca de 200 horas), privilegiou na montagem a luta hercúlea pela amamentação exclusiva, com ordenha e congelamento de leite na volta para o trabalho.

Logo no início do filme, uma das personagens deixa o filho com uma conhecida que também tem bebê em casa para ir a sua festa de formatura. Se ele sentir fome, mamará na mãe postiça por uma noite. É o ensejo para uma discussão rica, ainda que breve, sobre amamentação cruzada. E também para se pensar nas estratégias que as mães podem desenvolver para se divertirem inclusive nesse período de tanta dedicação.

Talvez um dia, quando a batalha por amamentar em público estiver ganha, assim como a da licença paternidade mais longa e a dos locais apropriados para amamentar ou ordenhar no trabalho, tornem-se possíveis outras narrativas, mais livres e festivas. Por enquanto, relatos de dor e dúvida, cansaço e melancolia precisam ainda ser ditos, ouvidos e reconhecidos.

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