A República Dominicana, como muitos outros países, não tem lugar no mapa dos grandes festivais de cinema e dos circuitos de exibição alternativos. Por isso, “O Homem que Cuida” poderia ser tomado por filme brasileiro, africano ou asiático, pois trata de uma condição periférica que nos aproxima.
O longa de estreia do dominicano Alejandro Andújar integra mar, sol e céu como uma miragem que um viajante pode ter quando descansa num desses lugares. Aqui, porém, a beleza natural não entra em cena para distrair o olhar turístico. A imagem do paraíso serve, ao contrário, para evidenciar o que não aparece nas fotos de viagem.
À primeira vista, Juan, o homem que aparece enquadrado com o mar ao fundo, está apreciando a paisagem. Mas a imagem inaugura a sucessão de ambiguidades com as quais o filme desloca nossa atenção. Juan não mora na bela casa, nem pode se entregar ali a momentos de lazer, pois aquele é seu lugar de trabalho. O incisivo contraste desse ponto de partida anuncia outros.
A pobreza do quarto onde Juan de fato mora, o ressentimento dele em relação à mulher que o abandonou e seu jeito marrento reforçam contradições que não são superficiais. O homem que cuida é, ao mesmo tempo, um desamparado.
O filme prepara, a partir dessa ampliação do retrato, o conflito central que se estabelece com a chegada de Rich, filho do dono da casa, acompanhado de um amigo que só quer curtir e de Karen, uma garota do vilarejo. Juan logo a reconhece como a garota que ele dias antes enxotou do píer, alegando que seu patrão não autoriza a presença de estranhos ali.
A dificuldade de satisfazer as vontades dos hóspedes, a obsessão em fazer cumprir as regras do dono da casa e os estímulos dos jovens para que Juan relaxe expõem a diferença de classes como o nervo central de “O Homem que Cuida”.
O roteiro meticuloso, assinado pelo diretor e por Amelia del Mar Hernández, encaminha o conflito em um crescendo que não culmina em solução. Embora a progressão dramática pareça titubeante em algumas cenas, é assim que o filme capta formas menos evidentes de violência impregnadas em falas e posturas, antes de se explicitar no plano físico.
Neste retrato de um fiel empregado, “O Homem que Cuida” nem precisa insistir nos efeitos perversos da desigualdade. Não ter lugar já equivale a não existir.
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