Descrição de chapéu Cinema

Filmes blockbusters, cada vez mais longos, dificultam trabalho dos exibidores

Obras com cerca de três horas implicam menor número de sessões, o que faz com que cinemas ganhem menos dinheiro

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São Paulo

Três horas e um minuto. Essa é a duração de “Vingadores: Ultimato”, que neste ano conquistou o recorde de maior bilheteria de todos os tempos e faturou cerca de US$ 2,8 bilhões (R$ 11,4 bilhões) —com a ajuda providencial, aliás, de uma versão extra do filme com mais seis minutos. E ele não está sozinho. 

A julgar pela duração dos blockbusters dos últimos anos, as poltronas das salas devem estar mais confortáveis e o público, com mais tempo livre, porque a cada novo capítulo, os filmes das franquias mais vistas estão mais longos.

Não é de hoje que as listas de maiores bilheterias apresentam filmes com três horas ou mais de duração. Logo atrás de “Vingadores” entre os filmes de maior arrecadação da história, segundo o ranking da Box Office Mojo, estão “Avatar”, de 2009, com duas horas e 42 minutos, e “Titanic”, de 1997, com três horas e 14 minutos.

Mas o que mudou nos últimos anos é que, se antes os longas longuíssimos eram dramas épicos, adaptações literárias e filmes independentes —gerações e gerações se lembrarão das quase quatro horas de “...E o Vento Levou”— agora são filmes do mainstream, de super-heróis e de terror.

O fato de um filme com mais de três horas bater recordes de bilheteria impressiona em um momento em que a atenção das plateias é disputada com os celulares, suas telas brilhantes rompendo o escurinho do cinema.

Quando as franquias de quadrinhos figuravam entre os campeões de bilheteria no início dos anos 2000, raras vezes contrariavam as duas horas recomendadas pelo guru americano dos roteiros Syd Field. O primeiro “X-Men” não chega a isso. “Homem-Aranha” vai só um minuto além.

O mesmo acontece com os filmes de terror. Se alguns dos títulos mais emblemáticos do gênero produzidos nos anos 1970 e 1980, como “O Massacre da Serra Elétrica” ou “Brinquedo Assassino”, tinham menos de uma hora e meia, o segundo capítulo de “It”, adaptação do livro de Stephen King em cartaz nos cinemas, se estende por quase três horas —a primeira parte, de 2017, tinha mais de duas.

A sequência obedece a um padrão cada vez mais comum nas franquias que lotam os multiplexes de shoppings. 

A cada nova aventura, aumenta a duração do filme. “Capitão América”, “Thor”, “Guardiões da Galáxia” e o “Batman” de Christopher Nolan são alguns dos casos em que ao menos 15 minutos foram acrescidos do primeiro para o último título da série.

O “spin-off” de “Velozes e Furiosos” lançado neste ano, “Hobbs & Shaw”, tem duas horas e 17 minutos, meia hora a mais do que o primeiro da franquia de rachas automobilísticos iniciada em 2001.

A alta densidade de celebridades nesses filmes é um dos fatores que contribui para sua longa duração. Afinal, os protagonistas na maioria desses filmes são interpretados por estrelas hollywoodianas com cachês milionários. Em “Vingadores: Ultimato”, por exemplo, eles são nada menos do que 32.

O exibidor Adhemar Oliveira, à frente dos cinemas Espaço Itaú, Cinearte e Cinesala, sente falta dos tempos de filmes de 90 minutos. Para ele, o domínio das séries na era do streaming tem tornado os cineastas “mais prolixos”.

Outros analistas costumam justificar a tendência com outro aspecto da competição com as séries: a ideia de que filmes mais longos fazem valer o ingresso do espectador. E representam mais uma camada da experiência associada à ida ao cinema, junto do som surround e das projeções 3D.

Diretor do portal Filme B, referência na análise do mercado de cinema do país, Paulo Sérgio Almeida diz que o argumento é uma “desculpa para fingir” que existe alguma vantagem mercadológica nessas produções.

“Eu só vejo desvantagem”, afirma. “Tudo o que o consumidor quer hoje é tempo. Aumentá-lo é contra as leis naturais do entretenimento.”

Ele cita a necessidade de se planejar para comer fora depois da sessão e até mesmo ir ao banheiro como alguns dos contratempos que os espectadores enfrentam ao assistirem a filmes mais longos. 

A pausa do xixi é levada tão a sério que circula na internet um infográfico com os intervalos ideais para sair de sessões de “Vingadores: Ultimato” sem se perder na trama.

O público não é, no entanto, o único prejudicado. Acostumados a janelas de duas horas, os exibidores lidam com quebra-cabeças complexos para incluir títulos mais longos que esse intervalo na programação. Além disso, a quantidade obrigatoriamente menor de sessões é ruim para os cinemas, que ganham menos dinheiro, e para os consumidores, que têm menos horários disponíveis.

A cadeia americana AMC resolveu esse problema mantendo 17 cinemas funcionando por 72 horas, sem parar, para atender à demanda do público na semana da estreia do último filme “Vingadores”.

O título, aliás, representa uma exceção à regra na opinião do fundador do Filme B. Ele define a série da Marvel como uma espécie de mina de ouro narrativa, já que sua história tem um potencial quase infinito de se desdobrar em outras produções.

Ao mesmo tempo, a visão de Almeida talvez indique uma resposta quanto ao motivo de o público estar disposto a sentar por horas a fio em um mundo com cada vez mais opções de séries para maratonar —e cada vez menos horas exclusivas para o lazer.

Mais da metade dos filmes que encabeçam as listas de maiores bilheterias das últimas duas décadas representam, mais do que franquias, verdadeiros mundos ficcionais paralelos.

“Senhor dos Anéis”, “Harry Potter”, “Star Wars” e os universos expandidos da Marvel e da DC Comics têm mitologias e regras de funcionamento próprios, além dos já citados vastos cardápios de personagens com quem o público pode se identificar.

São essas narrativas complexas, que beiram o incompreensível para os não iniciados, que parecem conseguir reter o olhar das plateias. Ou melhor, sua imaginação.

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